Apesar dos milhões de discos vendidos, grupo que agora perde um integrante sempre foi esnobado pela crítica musical
A morte de Paulo César Santos nesta segunda, aos 68 anos, comoveu os fãs do Roupa Nova. Paulinho, como era mais conhecido, foi vocalista e percussionista da banda por mais de 40 anos, desde quando ela ainda se chamava Os Famks.
Seu desaparecimento precoce ainda acentua uma injustiça histórica. Mesmo fazendo um sucesso estrondoso, o Roupa Nova nunca teve sua importância plenamente reconhecida pela crítica.
Talvez tenha sido uma questão de timing. O início da década de 1980 foi de plena ebulição na nossa música. Sopravam os ventos da redemocratização e se abrandava a censura. Rita Lee cantava os prazeres do sexo de um ponto de vista feminino. Canções de protesto voltavam a tocar nas rádios. Em 1984, bandas como Paralamas do Sucesso, Kid Abelha e Barão Vermelho incorporavam de vez o rock ao repertório nacional. E, meio à margem de tudo isso, florescia o inofensivo Roupa Nova.
As origens do grupo remontam a 1967, ano em que surgiram Os Famks. Muitos discos, bailes e trocas de integrantes depois, Os Famks chegaram em 1975 à formação que se manteria por mais de quatro décadas –Cleberson Horsth, nos teclados, Kiko, na guitarra, Nando, no baixo, Ricardo Feghali, no piano e nos teclados, e Serginho Herval, na bateria, além do próprio Paulinho, com quem todos dividiam os vocais.
Cansados de gravar covers de sucessos dos outros –lançaram 14 álbuns sob um heterônimo, Os Motokas–, os músicos decidiram partir para um trabalho mais autoral em 1980. Mudaram o nome da banda para Roupa Nova, nome de uma canção de Milton Nascimento e Fernando Brant. E começaram a emplacar um hit atrás do outro –“Canção de Verão”, “Sapato Velho”, “Bem Simples”.
O Roupa Nova fazia um contraste nítido com o rock brasileiro da época. Suas letras não tinham nada de contestatárias. Suas melodias grudavam na cabeça do ouvinte, mas não traziam grandes novidades. Era um pop sólido, de qualidade, sem experimentações —e escancaradamente comercial.
Um tipo de som que foi muitas vezes comparado ao da banda americana Toto. Com quem, aliás, o Roupa Nova ainda tinha um marcante ponto em comum, a ausência de um “frontman” carismático. Mesmo dono de enorme talento e de voz impecável, Paulinho não era nenhum Cazuza ou Renato Russo, que imprimiam uma marca pessoal fortíssima e hipnotizavam multidões.
Mais conhecidos pela competência profissional do que pela luta de egos, os membros da banda logo passaram a ser requisitadíssimos como músicos de estúdio, acompanhando estrelas como Gal Costa. Fora do palco, passavam despercebidos pelo público.
Também se tornaram os campeões das trilhas de novela. Aceitavam encomendas e entregavam temas que entraram para a história da TV, como “Anjo”, de “Guerra dos Sexos”, de 1983, “Dona”, de “Roque Santeiro”, de 1985, ou “Whisky A-Go-Go”, de “Um Sonho a Mais”, também de 1985.
Um episódio mostra bem como o Roupa Nova era visto como uma espécie de pau-para-toda-obra pela indústria cultural, mas não propriamente como superstars. É do grupo a versão original do tema do festival Rock in Rio, do verso “se a vida começasse agora”. No entanto, mesmo com milhões de discos vendidos, eles não foram convidados a se apresentar na primeira edição do evento, em 1985. Um desrespeito que só foi sanado na segunda edição, em 1991.
Mais desrespeitoso ainda era o termo “som asa delta”, cunhado por esnobes para designar o pop ensolarado e assobiável do qual o Roupa Nova era o expoente máximo. Diziam que eram musiquinhas descartáveis, fugazes feito chuva de verão. No entanto, basta ouvir uma playlist da banda para perceber como muitas daquelas faixas estão impressas na memória de quem viveu os anos 1980 e 1990.
O Roupa Nova nunca parou de gravar e fazer shows, mas os tempos de glória ficaram para trás. A trágica perda de Paulinho, que passou por um transplante de medula óssea pouco antes de contrair o novo coronavírus, lembra que já passa da hora de pôr a banda no lugar de destaque que ela merece no panteão da música brasileira