Por Leanderson Lima – Amazoniareal
Defensor dos direitos humanos e fundador da Associação dos Garotos da Noite (AGN), Rosinaldo Rodrigues foi brutalmente agredido e morreu por traumatismo crânio-encefálico causado por um instrumento contundente. Crime entra na impunidade por falta de investigação (Foto de reprodução de redes social)
Manaus (AM) – Uma das vozes históricas do movimento em prol dos direitos da comunidade LGBTQIA+ no Amazonas foi silenciada brutalmente. De acordo com o laudo preliminar do Instituto Médico Legal (IML) obtido com exclusividade pela agência Amazônia Real, o ativista Rosinaldo Rodrigues, fundador da Associação Garotos da Noite (AGN), foi vítima de agressão física, tendo sofrido um traumatismo crânio-encefálico causado por um instrumento contundente, em Manaus. O crime ocorreu no dia 4 de fevereiro, mas o ativista foi dado como desaparecido por nove dias. Até o momento a Delegacia de Homicídios e Sequestros não tem informação sobre o motivo ou autor do crime.
Rosinaldo Rodrigues, de 52 anos, chegou a ser removido com vida ao Serviço de Pronto Atendimento (SPA) do bairro São Raimundo, na zona oeste da capital, mas não resistiu aos ferimentos e faleceu às 13h50, de acordo com o Boletim de Ocorrência. Sem identificação, o corpo foi levado para o Instituto Médico Legal (IML).
A família do ativista chegou a divulgar informações sobre o desaparecimento dele nas redes sociais e pediu ajuda aos amigos para localizá-lo. Na segunda-feira (14), familiares encontraram o corpo de Rodrigues no IML. O sepultamento foi no mesmo dia. Procurada, a família não quis dar entrevista à reportagem.
A Delegacia de Homicídios e Sequestro disse que um Boletim de Ocorrência (B.O) foi registrado no dia 11 de fevereiro pela família para fazer o reconhecimento do corpo de Rosinaldo. No entanto, a investigação não iniciou porque, segundo a delegacia, a família precisa auxiliar com informações sobre a vida do ativista. Ele tinha um bar na Praça da Polícia, no centro de Manaus, mas não há pistas da relação do comércio com a morte. O local no qual Rodrigues foi encontrado ferido não foi divulgado pelo polícia.
A Associação Garotos da Noite (AGN) fundada em 2006 por Rosinaldo Rodrigues atua na luta pela conquista dos direitos humanos dos profissionais do sexo masculinos e femininos, garotos e garotas de programa e contra quaisquer formas de discriminação contra profissionais do sexo, sejam elas jurídicas, sociais, políticas, culturais, econômicas. “Lutamos também contra a Homofobia e contra o preconceito contra às pessoas que vivem com HIV/AIDS”, descreve a organização em sua página na rede social.
Luto permanente
O assassinato brutal do ativista Rosinaldo Rodrigues chocou a comunidade LGBTQIA+ e movimentos ligados a defesa dos direitos humanos do Amazonas. “O Rosinaldo era um grande ativista em defesa dos direitos humanos da população LGBTQIA +. Isso sempre incomodou, incomoda nos dias de hoje, nessa forma em que nossa sociedade está vivendo, uma forma de institucionalizar o ódio contra a população LGBTQIA +”, desabafou Francy Junior, da Rede Nacional de Mulheres Negras, e companheira de militância de Rosinaldo de uma longa data.
“Eu penso que uma das causas da morte brutal, do sumiço, de silenciar o Rosinaldo foi porque ele incomodava com a sua fala, com a sua movimentação, com a sua atitude em defesa dos direitos humanos (…). Silenciaram a voz dele, porém essa voz, essa fala, essa narrativa do Rosinaldo já esteve, está e sempre estará dentro de cada um de nós que conhecia o seu trabalho”, finaliza Francy.
A morte de Rosinaldo ocorre 1 ano depois de um crime devastador para o movimento LGBTQIA+. Em13 de fevereiro de 2021, a artista e ativista do movimento trans, Manuella Otto, de 25 anos, foi assassinada a tiros pelo policial militar Jeremias da Costa Silva, que à época era lotado na 12ª Companhia Interativa Comunitária (Cicon). O crime aconteceu no motel “Minha Pousada”, localizado na zona norte de Manaus. A morte de Manu continua na impunidade.
A professora e pesquisadora da Universidade Federal do Amazonas (Ufam), e coordenadora do Laboratório de Estudos de Gênero, Lidiany Cavalcante, 42, se disse chocada com a morte de Rosinaldo. “Estamos menores… o movimento LGBTQIA + amazonense está de luto mais uma vez. Vivemos em um país extremamente perigoso para o nosso segmento populacional, onde morre uma pessoa LGBT a cada 19h, vítima de homicídio ou suicídio. Agora assistimos o recorte da barbárie que silenciou mais uma importante liderança em nosso Estado”, lamentou Lidiany.
“Rosinaldo deixou marcos importantes. Suas plataformas de luta abriram portas importantes na formação, identidade, visibilidade e reconhecimento de segmentos vulnerabilizados e criminalizados historicamente. Sua voz será sempre lembrada e deixa um legado relevante para nós”, disse a professora, que descreveu Rosinaldo como uma pessoa conciliadora. “Existem muitos desafios no movimento, mas o Rosinaldo não discutia com ninguém. Sempre tinha um sorriso no rosto, disposto a lutar e a apaziguar conflitos. Muitas vezes ele só mostrava o silêncio”, assinala.
Números da violência
De acordo com dados do Grupo Gay da Bahia e da Aliança Nacional LGBT, a cada 19 horas uma pessoa LBGTQIA+ morre no Brasil. De acordo com este levantamento, a população trans é a mais vulnerabilizada do segmento LGBTQIA+. Nos dois últimos anos em que o levantamento foi feito, o quantitativo de homicídios contra a população trans revelou que 100% das vítimas eram mulheres trans e em sua maioria negras.
Em 2020, Manaus ficou na 4a. posição entre os municípios violentos, segundo o ranking do Observatório de Mortes Violentas de pessoas LGBTI+. Naquele ano foram registrados seis mortes. A cidade mais violenta do Brasil é Fortaleza (CE) com 20 crimes, seguida de São Paulo (SP) com 10, e Belo Horizonte (MG) com 6 mortes. O relatório parcial de 2021 aponta o registro de seis crimes no estado do Amazonas, mas não especifica em quais cidades as ocorrências foram notificadas.
Para a pesquisadora Lidiany Cavalcante, a coleta desse tipo de dado ainda sofre com a subnotificação. “Eu acredito, como pesquisadora, que esse dado ainda não é real, por uma série de situações, inclusive porque quando morre um LGBT de classe média, às vezes, a família não quer dizer (o que aconteceu), não vai atrás, não quer que apareça nos jornais… Abafa o caso, e isso faz com que os dados acabem subnotificados”, explica.
Histórico de militância
Rosinaldo Rodrigues começou a dar os primeiros passos na militância ao lado de outro ativista histórico, Adamor Guedes, que foi fundador do movimento gay na região Norte e presidiu a Associação Amazonense de Gays, Lésbicas e Travestis (AAGLT). Guedes foi morto a facadas por dois homens, em 2005.
Os dois ativistas se conheceram na segunda metade da década de 1990 e, por sugestão de Adamor, Rosinaldo decidiu criar uma associação para atuar junto aos garotos de programa, como conta Rebecca Carvalho, da Associação de Travestis, Transexuais e Transgêneros do Amazonas (Assotram).
“Eu conheci o Rosinaldo em 1997, porque o Adamor me convidou para participar do movimento. O Rosinaldo já andava com o Adamor. Naquela época, a associação (AAGLT) era uma associação pequena. Juntos, conseguimos uma sede, e lá ele e o Adamor começaram a procurar projetos. Conseguimos alguns e um deles foi o ‘Garotos da Noite”, lembra Rebecca.
O projeto atuava junto aos profissionais do sexo. “Como o Rosinaldo já era garoto de programa, já tinha esse histórico, ele foi o coordenador do projeto Garotos da Noite. E ele foi procurar os meninos, distribuía preservativos na madrugada, levava informação para essa população, verificava se eles precisavam de algum aporte por problema de saúde, todo esse tipo de coisa”, lembra Rebecca.
Multiplicadores do ativismo
Ainda no final da década de 1990, Adamor Guedes decidiu transformar os amigos de militância em multiplicadores. Foi assim que surgiram outras associações voltadas a defender os direitos dos vários segmentos LGBTQIA+. O “Garotos da Noite”, que começou como apenas um projeto, se transformou em associação.
“A primeira logomarca desse projeto fui eu que criei. Era um garoto sem camisa. Foi assim que Rosinaldo começou, junto com o Dartanhã (Gonçalves, ativista) todo esse trabalho de criação da associação”, recorda Rebecca.
Rebecca conta que, com o tempo, a associação ampliou seu leque de atuação, recebendo pessoas soropositivas, homossexuais e lésbicas. “Ele também deixou espaço, houve um tempo em que ele abriu mão da presidência para outras pessoas lutarem, mas ele sempre esteve em todos os embates, reuniões.”
Dor e tristeza
A ativista da Associação da Parada do Orgulho LGBTQIA+ Bruna La Close também lamentou a morte de Rosinaldo. “Uma dor, tristeza, resistência, pois é mais um ativista que nos deixa, pois o trabalho e luta por direitos de igualdade, respeito, cidadania era incansável”, afirma. Bruna lembra da luta do ativista pela humanização nos órgãos de saúde, e particularmente pela defesa por um tratamento especial para as pessoas com HIV. “Manaus sabe que Rosinaldo era um grande ativista em direitos humanos, uma pessoa simples, humilde, carismática com todo mundo.”