Trinta e quatro alunos colaram grau no curso de Pedagogia Intercultural Indígena
A Universidade do Estado do Amazonas (UEA), por meio do Governo do Estado, acaba de formar 34 professores indígenas no curso Pedagogia Intercultural, na região do Vale do Javari. A UEA é a primeira instituição do país a oferecer esse tipo de formação. A outorga de grau aconteceu na noite do dia 16 de dezembro, no município de Atalaia do Norte (distante 1.136 quilômetros de Manaus em linha reta).
Os formandos pertencem às etnias Marubo, Matis, Matses e Kanamari, espalhadas pela terra indígena do Vale do Javari, localizada na região da tríplice fronteira – Brasil, Peru e Colômbia –, onde vive o maior número de grupos indígenas em situação de isolamento voluntário do mundo.
A solenidade de entrega dos diplomas contou com a presença da vice-reitora da UEA, Prof.ª Dra. Kátia Couceiro, representando o reitor, Prof. Dr. André Zogahib. Ela, acompanhada do pró-reitor de Ensino de Graduação, Prof. Dr. Raimundo Barradas, prestigiou e se emocionou durante o evento.
“Hoje é dia de festa. Não me recordo, ao longo de meus anos como professora na UEA, de um momento tão especial e emocionante como esse. É muito bonito ver a alegria estampada nos rostos de todos vocês. Estamos formando profissionais que se dedicaram arduamente e que, a partir de agora, levarão o nome da UEA para as suas comunidades. Essa é a nossa missão”, disse a vice-reitora.
Durante a colação, foi apresentado vídeo do reitor André Zogahib parabenizando a turma, todos os coordenadores e os 24 docentes envolvidos na realização do curso, sendo quatro deles indígenas. “É com muita satisfação que a UEA forma 34 professores indígenas que irão trabalhar nas comunidades do Vale do Javari. São profissionais da mais alta competência, da mais alta qualidade, que vão prestar serviços, também, em suas comunidades indígenas”, ressaltou.
Orgulho
Segundo o reitor, a UEA orgulha-se muito dessa formação. “Então, venho aqui dar os meus parabéns, enquanto reitor da UEA, por esse feito, por essa dedicação que vocês tiveram ao longo dos anos, estudando na nossa universidade o curso de Pedagogia Intercultural Indígena”, frisou, dando os parabéns aos formandos nas quatro línguas diferentes, conforme as etnias.
Os pedagogos também não escondiam a sua felicidade e expectativas: de crescer na profissão abraçada e ajudar ainda mais suas comunidades. Para o formando Walmir Marubo, da etnia Marubo, concluir a graduação em Pedagogia, aos 42 anos de idade, serve como motivação para seguir atuando como docente.
Walmir, que iniciou a carreira na área há 18 anos, vem da Comunidade Liberdade, um local distante de Atalaia do Norte, onde ele dá aula para crianças e adolescentes. “Foi um grande desafio conseguir concluir o curso, pois é um trajeto longo e complicado até Atalaia do Norte. Somos guerreiros por termos enfrentado todas as dificuldades e adquirido este conhecimento importante para ajudarmos nosso povo”, comentou.
Valorização
Da etnia Kanamari, José Ninha Tavares, 49, explica que a vontade de querer ser professor surgiu da necessidade que seu povo tem na área da educação. Segundo ele, os conhecimentos não-indígenas são totalmente diferentes da realidade das comunidades, o que acaba dificultando o aprendizado.
“Precisamos valorizar e fortalecer o que é nosso, pois o aluno precisa entender, primeiramente, o seu próprio mundo para, depois, descobrir novos conhecimentos. Por isso, é importante assumirmos o papel de educador”, pontuou Tavares, um dos mais emocionados durante a cerimônia de colação de grau.
Curso sem evasão
O curso Pedagogia Intercultural Indígena, ofertado por meio do Plano Nacional de Formação de Professores da Educação Básica (Parfor) e vinculado à Escola Normal Superior da UEA, teve como coordenadora a Prof.ª Dra. Célia Bettiol, que se empenhou para evitar a evasão. Ela contou com a ajuda da coordenadora pedagógica do curso, Prof.ª Dra. Ádria Duarte; do linguista do curso, Prof. Dr. Sanderson de Oliveira, escolhido como paraninfo da turma; e da coordenadora local do Parfor, professora Zilma da Costa. “Não houve desistência. O curso iniciou com 35 alunos e terminou com 34 formandos. Infelizmente, perdemos um durante a pandemia da Covid-19”, destacou a professora Célia.
Segundo a coordenadora, as aulas tiveram ênfase na língua própria de cada etnia e o uso do português como segundo idioma. Também foram utilizados materiais didáticos específicos com o objetivo de contemplar o fortalecimento dos saberes tradicionais. “Para escolas indígenas, professores indígenas. Essas escolas são interculturais, bilíngues, específicas de um povo. Por isso é tão importante ter professores indígenas formados que possam cuidar do processo pedagógico e fazer a diferença no sentido de dialogar os conhecimentos da sociedade com os saberes de seu próprio povo”, explicou a professora Célia Bettiol.
A cerimônia de colação de grau, que reuniu formandos, seus familiares e professores, aconteceu no ginásio Professor Lucival Brotas, e contou, também, com a presença do prefeito de Atalaia do Norte, Dênis de Paiva; da coordenadora regional substituta da Fundação Nacional do Índio (Funai), Mislene Mendes; entre outros representantes da sociedade civil.
Etnias e a educação
Os professores indígenas das etnias Marubo, Matis, Matses e Kanamari são povos que tiveram o contato com a sociedade nacional intensificado a partir da década de 1970. A escolarização desses povos teve início a partir do final da década de 1980.
Na década de 1990, começou a ser ofertado o curso de formação em níveis fundamental e médio, oferecido pela Secretaria de Estado da Educação e do Desporto. Naquele período, os alunos tiveram suas formações interrompidas por conta de uma pandemia de Cólera e Hepatite Delta que afetou todo o território do Vale do Javari.
Durante a pandemia de Covid-19, na última etapa antes do encerramento do curso de nível superior, as aulas foram suspensas em respeito às medidas de biossegurança. Neste período, o curso esteve em luto pela perda do aluno Benedito Marubo, o primeiro professor indígena de seu povo e sábio conhecedor do Vale do Javari.