O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) viajou no domingo (23) para a Argentina para uma série de reuniões que deve durar até quarta-feira (25). Nesta segunda-feira (23), ele se encontrou com o presidente argentino Alberto Fernandez, com quem pretende avançar em discussões para a criação de uma moeda comum entre os dois países.
A ideia não é nova, mas foi novamente anunciada em artigo assinado por Lula e Fernandez, publicado no jornal argentino Perfil no sábado (21). “Decidimos avançar nas discussões sobre uma moeda sul-americana comum que pode ser usada tanto pelos fluxos financeiros quanto comerciais”, escreveram os chefes de Estado.
A moeda comum, entretanto, não seria como uma versão do euro para a América do Sul, segundo o ministro da Fazenda do Brasil, Fernando Haddad (PT). Assim, não substituiria as moedas que já circulam nos dois países, como ocorreu na Europa no início dos anos 2000.
Haddad integra a comitiva do governo brasileiro que foi à Argentina e falou com jornalistas ao chegar no país vizinho, ainda no domingo. Ele deixou claro em suas entrevistas que o real não vai acabar.
O que mudaria?
Segundo Haddad, o que deve ser discutido entre os dois países seria a criação de uma espécie de moeda virtual, que funcionaria para pagamento de importações e exportações entre Brasil e Argentina e, quem sabe, entre outros países sul-americanos.
Hoje, quando a Argentina decide comprar uma máquina produzida no Brasil, por exemplo, paga esse produto usando dólar – isso também acontece quando a Argentina vende para o Brasil. A ideia é criar uma espécie de moeda, uma unidade de conta, para que os dois países deixem de fazer negócios usando uma moeda de um terceiro.
Essa moeda seria controlada por autoridades dos dois países, numa espécie de banco central conjunto. Esse “banco central” definiria o valor da moeda comum virtual. Com base nessa cotação, intermediaria os negócios e, periodicamente, faria balanços de pagamento.
Num exemplo hipotético, uma unidade nova moeda teria cotação de 1 real e 5 pesos. Um argentino que compra uma máquina de 100 reais de um brasileiro, poderia pagar por ela o equivalente a 500 pesos usando a nova moeda comum. O exportador brasileiro receberia o equivalente aos 100 reais sem que isso chegue em dólar na sua empresa.
Esse brasileiro poderia, então, comprar produtos da Argentina usando a moeda comum. Poderia também trocá-la por reais para arcar com despesas de funcionários, por exemplo.
“A moeda comum para trocas seria como unidade de conta para que as compras entre os dois países fossem medidas por ela. Com ela, o brasileiro consegue receber em reais e o argentino consegue receber em pesos”, explicou Mauricio Weiss, economista e professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
Vantagens e desvantagens
Sem precisar usar o dólar para realizar transações, importadores e exportadores de Brasil e Argentina não precisariam mais gastar com taxas para câmbio a cada transação. Também não ficariam suscetíveis à volatilidade da moeda dos Estados Unidos para fazer negócios.
Weiss acrescentou que, hoje, na Argentina, os empresários têm dificuldades de obter dólares por questões econômicas internas. Com a moeda comum, ele poderiam importar produtos brasileiros usando pesos. Isso, em tese, reduziria entraves comerciais existentes entre os dois países.
“Essa é uma forma de fortalecer o comércio regional e permitir que a Argentina, que é um importante parceiro comercial principalmente de produtos industrializados, continue demandando produtos daqui”, acrescentou o professor.
Neste sentido, o economista Marcio Pochmann, professor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), disse que a moeda comum poderia favorecer o desenvolvimento econômico de Brasil, Argentina e outros outros países que aderissem à iniciativa.
“A moeda comum seria uma experiência para fortalecer o chamado Cone Sul. A moeda de uso comum poderia favorecer a transformação da região sul-americana num centro de desenvolvimento de cadeias de valor que integrassem os diferentes países”, afirmou.
Daniel Negreiros Conceição, economista e professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), disse que é preciso esperar mais detalhes da proposta para ter certeza de sua abrangência e possíveis consequências. Ele lembrou que, ao adotar uma moeda comum, países reduzem a possibilidade de acumular reservas em dólar, moeda considerada mais forte para manter numa espécie de poupança internacional.
“Países superavitários [que exportam mais que importam] talvez não tenham interesse em deixar de acumular dólares para acumular moedas dos parceiros”, disse.
Pessoas usariam?
Os economistas ouvidos pelo Brasil de Fato não acreditam que a eventual moeda comum possa vir a ser amplamente utilizada por pessoas físicas, em viagens, por exemplo. Para eles, não é essa a intenção de governos.
“Essa essa moeda ela não seria do cidadão comum. Ela não seria uma moeda manual, que as pessoas poderiam adquirir”, resumiu Weiss.
Edição: Nicolau Soares do Brasil de Fato