Lideranças indígenas da região relataram que indígenas não aldeados com suspeita ou confirmação de covid-19 enfrentam dificuldade para conseguir atendimento, tanto pelo sistema de saúde dos municípios como pelos distritos sanitários indígenas
O Ministério Público Federal (MPF) expediu recomendação para que os órgãos responsáveis pelos serviços de saúde indígena localizados nos municípios do Alto e Médio Solimões e Vale do Javari que não deixem prestar atendimento aos indígenas – aldeados ou não – que demandem cuidados de atenção básica ou média e alta complexidade, em razão de suspeita ou confirmação de contágio pela covid-19, independentemente de estarem referenciados pelo Subsistema de Atenção à Saúde Indígena.
O documento foi encaminhado aos municípios de Tabatinga, Benjamin Constant, Amaturá, Atalaia do Norte, Santo Antônio do Içá, São Paulo de Olivença, Jutaí e Tonantins, bem como para os Distritos Sanitários Especiais Indígenas do Alto Solimões (DSEI/ARS), do Médio Solimões (DSEI/Médio Solimões e Afluentes) e do Vale do Javari (DSEI/Vale do Javari) e para as coordenações da Fundação Nacional do Índio com abrangência nas respectivas áreas.
A medida foi tomada após o recebimento de relatos de indígenas da etnia Kambeba informando ao MPF que as comunidades estão enfrentando dificuldades para serem atendidas tanto pelo sistema de saúde municipal local, quanto pelo Dsei que atua na região do Alto Solimões em relação aos casos de contaminação pelo novo coronavírus. De acordo com as denúncias, a unidade de saúde municipal também estaria negando ou omitindo nos prontuários médicos, relatórios e certidões de óbito a identidade indígena e o pertencimento étnico desses pacientes.
Os relatos dão conta de que atendimento nas unidades de saúde estaria sendo negado aos indígenas não aldeados e que a Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai) estaria insistindo em fazer diferença entre o atendimento de indígenas que vivem nas aldeias e os que moram em áreas urbanas. Após iniciativa do MPF de ouvir os indígenas por meio de cartas, as lideranças responderam ao órgão, informando a situação e solicitando atendimento diferenciado. Outras representações encaminhadas ao MPF também denunciaram os mesmos fatos.
Atendimento diferenciado – Dentre as principais medidas recomendadas pelo MPF recomendações estão o atendimento prioritário de forma diferenciada os pacientes indígenas – aldeados ou não – , suspeitos da covid- 19, de modo a diminuir o tempo de contato dos profissionais de saúde com os indígenas presentes no local de atendimento e a adequada comunicação com o paciente indígena, fazendo uso de intérprete com apoio da Funai, caso seja necessário, para realizar a correta orientação, atendimento e tratamento.
Outra recomendação é o registro da identidade indígena e pertencimento étnico nos prontuários médicos, relatórios, certidões (inclusive de óbito), aos pacientes que apresentarem documento que os considere indígenas, ou na ausência destes, pela exclusiva autodeclaração e consciência da identidade do indígena e ainda a inclusão dos respectivos atendimentos aos pacientes indígenas e suas condições de saúde, a partir da data da recomendação expedida, em todos os boletins que serão emitidos pelos municípios sobre o quadro de combate à covid-19.
O MPF ainda recomendou que a Funai, por meio das coordenações regionais, articule com os municípios de atuação de suas respectivas áreas, para que sejam reservados espaços, nos cemitérios municipais, aos indígenas que, eventualmente, venham a falecer por covid-19 ou condição similar, aldeados ou não, estabelecendo todas as medidas de segurança e saúde necessárias durante os enterros. O pedido por esses espaços foi externado pelos próprios indígenas, de acordo com a recomendação.
O prazo para cumprimento da recomendação é de três dias.
Vulnerabilidade – Na recomendação, o MPF destaca que as especificidades imunológicas e epidemiológicas tornam os povos indígenas particularmente suscetíveis ao novo coronavírus, tendo em vista que doenças respiratórias são uma das principais causas de mortes entre esses povos, conforme reconhece o Plano de Contingência Nacional para Infecção Humana pelo novo Coronavírus (COVID-19). “Viroses respiratórias foram vetores dos incontáveis óbitos de indígenas, em diversos momentos da história do país, inclusive, com registros de mortes provocados por epidemias em documentos oficiais, como o relatório Figueiredo de 1967”, reforça o documento.
A recomendação ainda ressalta que o Sistema Único de Saúde serve como retaguarda e referência ao Subsistema de Atenção à Saúde Indígena, devendo adaptar sua estrutura e organização de forma a propiciar a integração e o atendimento necessário em todos os níveis, de acordo com a Lei n.º 8.080/90 e que, nesse sentido, o Subsistema de Atenção à Saúde Indígena desenvolve serviços e políticas de atenção básica ou primária em saúde para os povos indígenas, primordialmente em seus territórios tradicionalmente ocupados, referenciando os casos de média e alta complexidade para os hospitais do SUS administrados por estados e municípios.
Texto: MPF AM