Medidas incluem cestas básicas, ampliação do prazo para saque e alternativas para pagamento sem deslocamento a municípios
O Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1) acolheu recurso do Ministério Público Federal (MPF) e determinou medidas diferenciadas para a concessão do auxílio emergencial aos povos indígenas da região do Alto e Médio Rio Negro, como forma de evitar a transmissão do coronavírus entre os indígenas. A prorrogação do prazo para saque do benefício e adequação do aplicativo da Caixa Econômica Federal destinado à concessão do auxílio estão entre as medidas determinadas pela desembargadora Daniele Maranhão.
A tutela de urgência foi concedida após recurso do MPF contra decisão da Justiça Federal no Amazonas que negou a urgência no pedido de liminar do Ministério Público em ação civil pública apresentada em 30 de abril. “Algumas das medidas determinadas na ação também deverão beneficiar povos indígenas e outras populações tradicionais e rurais de todo o Brasil, como a extensão de prazo para saque e a adequação de aplicativo”, explicou o procurador da República Fernando Soave.
O TRF1 determinou que o prazo para saque do auxílio emergencial seja estendido por mais seis meses. Anteriormente, se o benefício não fosse retirado pelo beneficiário em 90 dias, os valores seriam restituídos ao governo federal, o que motivava o deslocamento dos indígenas das aldeias para a sede dos municípios, descumprindo as orientações de isolamento social e se expondo ao risco de contrair a covid-19.
Conforme pedido do MPF na ação civil pública, o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) também deve prorrogar o prazo para saque de benefícios previdenciários, especialmente salário maternidade e pensão por morte, por mais 90 dias além do prazo já previsto.
Outro pedido do MPF atendido pelo TRF1 trata da adequação do aplicativo destinado ao acesso ao auxílio emergencial, “Caixa Tem”, para possibilitar cadastro e acesso ao auxílio exclusivamente via internet, pelo site ou aplicativo, sem necessidade de confirmação por SMS ou meio telefônico, considerando que parte das comunidades possuem o acesso à internet – em escolas por videoconferência, postos de saúde ou do Exército – mas não possuem sinal de telefonia. O prazo especificado para o cumprimento da medida é de 15 dias.
Além disso, o TRF1 determinou a adoção de medidas alternativas para facilitar o acesso ao auxílio emergencial e a benefícios sociais e previdenciários de modo geral em áreas remotas, com o objetivo de possibilitar a permanência dos indígenas nas aldeias e comunidades, não tornando obrigatória a descida aos centros urbanos. As alternativas foram apontadas pelo MPF na Recomendação nº 01/2020 e incluem a instalação de estrutura de pagamento em escolas ou pelotões de fronteira do Exército, a utilização de aplicativos que possibilitem o acesso ao benefício mesmo sem conta bancária e a destinação dos recursos daqueles que desejarem a uma conta específica com acompanhamento dos órgãos de controle e da Funai e prestação de contas periódica. Outras medidas que atinjam o objetivo de evitar o deslocamento dos indígenas à cidade para acessar os benefícios a que têm direito também podem ser adotadas.
Distribuição de alimentos – O Tribunal Regional Federal da 1ª Região também determinou a distribuição de alimentos, em até cinco dias, às aldeias, com atenção especial às localidades de difícil acesso, podendo-se utilizar de apoio logístico voluntário do Exército para fazer o material chegar às comunidades.
Ainda de acordo com o tribunal, o Ministério da Cidadania deve divulgar, no prazo de cinco dias, material informativo sobre o auxílio emergencial voltado para indígenas e povos tradicionais, especialmente os que residem em locais distantes dos centros urbanos ou de difícil acesso, com orientações sobre os principais obstáculos que essas famílias podem enfrentar para acessar o benefício, seguindo a recomendação de isolamento ou distanciamento social para evitar a contaminação de indivíduos e comunidades pelo novo coronavírus, já constando neste material os meios alternativos de acesso aos benefícios e auxílio emergencial a partir das próprias aldeias e comunidades, a desnecessidade de deslocar-se à cidade e o cronograma de entrega das cestas básicas em cada região ou território indígena.
Riscos catastróficos para os indígenas – Na ação civil pública, o MPF destacou que os riscos de contaminação pela covid-19 são catastróficos para os povos indígenas, incluindo aqueles de recente contato, com pouca imunidade para doenças respiratórias. “Tudo isso com o incentivo da propagação da doença pelo próprio Poder Público por meio de políticas equivocadas e não adaptadas ao contexto indígena, denunciadas há, pelo menos, cinco anos por eles e pelo MPF”, afirmam os procuradores da República, em trecho do documento.
Há cerca de três semanas, o MPF expediu recomendação para adequar as medidas em questão à realidade sociocultural dos povos indígenas do Alto e Médio Rio Negro. As medidas foram debatidas com diversos especialistas no tema, pesquisadores, movimento indígena e entidades indigenistas. O documento foi encaminhado a diversos órgãos, entre eles o Ministério da Cidadania, a Fundação Nacional do Índio (Funai), o Exército e o INSS. Apesar da urgência das medidas, os órgãos apresentaram respostas pouco concretas que indicam o não acatamento da recomendação, o que levou à apresentação da ação civil pública.
A ação segue tramitando na 3ª Vara Federal no Amazonas, sob o número 1007677-04.2020.4.01.3200.