O Brasil interrompeu sequência de dois anos de queda do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH). Mas o indicador ainda está, de acordo com os números mais recentes, em patamar inferior ao período pré-pandemia. Além disso, a tendência mundial de aumento da polarização política pode ser observada no Brasil, o que atrapalha a melhora da qualidade de vida da população. É o que mostra o Relatório de Desenvolvimento Humano (RDH), divulgado nesta quarta-feira (13) pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud) da Organização das Nações Unidas (ONU).
O IDH é um indicador que tem o objetivo de medir a qualidade de vida de um país, com base em fatores como expectativa de vida, anos de escolaridade e renda per capita. A escala vai de 0 a 1, sendo que, quanto mais próximo o índice estiver de 1, melhor é a qualidade de vida naquela nação.
Em entrevista coletiva virtual concedida para comentar o relatório, Yanchun Zhang, estatística-chefe do Pnud, destacou que o “Brasil fez um progresso rápido” em termos de melhora de qualidade de vida entre o começo dos anos 1990 e meados dos anos 2010. “Mas na última década isso estagnou”, disse.
Os números do Pnud mostram que a expectativa de vida da população brasileira era de 73,4 anos em 2022. Já a escolaridade média da população com idade igual ou maior a 25 anos era de 8,3 anos, enquanto a renda per capita anual alcançou pouco mais de US$ 14,6 mil.
Polarização política
Além disso, o Brasil está inserido em um contexto de aumento mundial da polarização política, segundo Pedro Conceição, diretor do Escritório do Relatório de Desenvolvimento Humano do Pnud. O impacto negativo da polarização na melhora da qualidade de vida é justamente o tema do relatório divulgado nesta quarta-feira.
“O que parece que está acontecendo é que há um processo maior ao redor do mundo, em que a população está alienada”, disse. Ele citou pesquisa que mostra que, embora 90% da população mundial apoie a democracia, 50% também “apoiaria líderes que enfraqueceriam a democracia”.
O diretor do Pnud afirmou, por exemplo, que a queda do IDH mundial entre 2020 e 2021 “não foi só por causa da pandemia”. Também mencionou os obstáculos que a polarização coloca para a solução de problemas sociais e ambientais.
“Estamos falhando de diversas maneiras”, disse. “A polarização política envenena as colaborações doméstica e internacional.”
Um exemplo foi a decisão de “tomar vacinas ou usar máscaras durante a pandemia”. Essa decisão, de acordo com ele, era, em muitos casos, baseada mais na opinião de “certos grupos” aos quais as pessoas pertenciam do que na efetividade dessas medidas.
“A mesma coisa acontece com as mudanças climáticas”, disse.
Esse tipo de postura não se limitaria aos cidadãos, já que “há governos que tomam posições muito radicais dependendo de qual lado eles estão na arena internacional”. Um problema que não pode, por exemplo, “ser solucionado por um só país” e que tem “impacto profundo” sobre o IDH é o avanço do crime organizado, de acordo com Michelle Muschett, diretora regional do Pnud para a América Latina e o Caribe.
Um aspecto “bem preocupante” do desempenho do IDH nos últimos anos, segundo Conceição, é que a distância entre os países com indicadores mais baixos e indicadores mais altos está aumentando, “revertendo uma convergência de décadas”. Outro é que, apesar de o índice “estar melhorando”, está “melhorando mais vagarosamente” do que em décadas anteriores.
Em meio a tantos desafios, o diretor do Pnud defende a importância de “atuar diretamente” para diminuir a polarização. Isso porque há pesquisas que mostram que “as pessoas concordam mais do que imaginam” em assuntos como combate às mudanças climáticas. “É possível encontrar temas em que não há soma zero e em que países podem se beneficiar e se unir”, diz.
América Latina e Caribe
A América Latina e o Caribe enfrentam desafios adicionais, como elevados níveis de desigualdade e pobreza e baixa produtividade, o que deixa esses países “mais vulneráveis a choques externos do que outras regiões”, segundo Michelle. Mas também há pontos positivos que podem ser explorados, como o fato de indicadores mostrarem que a região é a terceira mais democrática do mundo, atrás apenas da América do Norte e da Europa Ocidental.
“Talvez seja a única região do planeta [simultaneamente] democrática em desenvolvimento”, disse ela. Os números também mostram participação relevante dapopulação jovem no debate público e “grande disposição para a inovação” em áreas como energia sustentável e economia digital.
A diretora do Pnud ainda chamou atenção positivamente para a presidência brasileirado G20.
“O Brasil está incorporando com muita força as questões de justiça social e a abordagem das desigualdades”, disse.
Valor Econômico