19 de abril de 2024 por Melissa Rocha
Em coletiva, ministra Luciana Santos destaca que “a luta política está posta” entre atores do Sul Global que buscam soberania digital e países ricos que tentam mantê-los como dependentes, e diz que, da parte do presidente Lula, o Brasil vai lutar para ser autônomo e soberano em relação à tecnologia.
A ministra da Ciência, Tecnologia e Inovação, Luciana Santos, concedeu na manhã desta sexta-feira (19) uma coletiva de imprensa, acompanhada pela Sputnik Brasil, para falar sobre a agenda do Brasil relativa à inteligência artificial (IA) no G20, que ocorre em novembro, no Rio de Janeiro.
A ascensão da inteligência artificial preocupa países ao redor do mundo. Isso porque a tecnologia pode ser usada de forma maliciosa, dando contornos mais realistas a fake news ou facilitando atividades fraudulentas.
Em novembro de 2023, uma cúpula internacional sobre o tema resultou na Declaração de Bletchley, da qual o Brasil é um dos 28 países signatários. A declaração compartilhada é considerada pioneira e estabelece responsabilidades quanto ao uso da IA, além de determinar aos países signatários a criação de políticas para garantir o uso seguro da tecnologia — um dos motivos pelos quais o tema também será discutido no G20.
Ademais, em março deste ano, a Assembleia Geral das Nações Unidas endossou oficialmente a primeira resolução internacional que incentiva os países a promoverem a segurança, a proteção e a confiabilidade dos sistemas de IA.
Na coletiva desta sexta-feira, a ministra afirmou que “o fato de o Brasil estar presidindo o G20 neste ano aumenta a responsabilidade do país em levantar a bandeira da paz e da cooperação”, e disse que a IA “entrou no grupo de trabalho do G20 pelo caráter estratégico que a tecnologia tem”.
“Somos líderes em algumas tecnologias, por exemplo, nós temos a matriz energética mais limpa do planeta, com mais de 80% da nossa matriz limpa, renovável, tecnologia genuinamente brasileira […] das hidrelétricas. Nós temos tecnologias sociais, como é o nosso modelo SUS, nós temos uma competência indiscutível na Embrapa das tecnologias que garantiram a produção de alimentos que nós temos hoje no país, nós temos liderança na indústria aérea graças ao grande legado da Embraer”, disse a ministra.
“Mas nós precisamos nos inserir muito mais, nós precisamos nos inserir nos desafios da biomassa para manter a liderança na transição energética, no fenômeno do hidrogênio verde, de hidrogênio de baixo carbono. Nós precisamos dominar de maneira mais assertiva esses desafios espaciais e da transformação digital, que vai do letramento digital à inteligência artificial, que vai mudar muito as relações de produção no mundo”, acrescentou.
A ministra afirmou que tramita atualmente no Congresso um projeto de lei para responsabilizar as big techs por difusão de desinformação e pela escala de informações contrárias à neutralidade política.
“Nosso ministério tem uma posição favorável à tramitação desse projeto de lei. Nós estamos procurando com a Secom [Secretaria de Comunicação da Presidência da República], com o ministro Paulo Pimenta [da Secom], como fazer uma força-tarefa interministerial no sentido de arrancar uma posição política do governo mais proativa, que ela não seja eminentemente técnica.”
Na coletiva, a ministra exaltou as possibilidades que a IA traz, afirmando que “as grandes tecnologias usadas para o bem são extraordinárias”.
Questionada pela Sputnik Brasil sobre exemplos de como a IA poderia contribuir para a equidade e para o desenvolvimento social do Brasil, Santos afirmou que os benefícios são múltiplos.
“Vou começar pelo impacto no mercado de trabalho: tem um estudo, por exemplo, da Oxford que diz que ao mesmo tempo que ela [IA] pode eliminar 20 milhões de empregos em países desenvolvidos, ela também pode criar até 133 milhões de novos empregos. Isso vai depender da capacitação de treinamento e das oportunidades. Eu acho que pode diminuir bastante o trabalho repetitivo, manual, e dar mais tempo à elaboração, à formulação”, afirmou.
Ela acrescentou que na saúde pública o advento da IA pode trazer diagnósticos mais rápidos e precisos, “na agricultura familiar pode garantir um melhoramento na produtividade” e que a tecnologia também pode “reduzir o desperdício na distribuição de energia”, que é um dos principais potenciais do Brasil.
“Vai melhorar a eficiência energética, que é uma das principais potências do nosso país, a nossa capacidade de integração, de distribuição de energia. Na educação pode levar soluções mais específicas para aquele condicionamento de aprendizado lúdico, de identificar as dificuldades de aprendizado de determinadas pessoas.”
Questionada sobre como o Brasil pretende equilibrar a responsabilidade com o incentivo à IA, a ministra afirmou que atingir essa meta é um grande desafio para o governo brasileiro.
“De fato esse é o grande desafio, porque nós não podemos ter uma regulação que mate a criatividade e a inovação. Tem que ter uma regulação que obrigue regras, a transparência do sistema, aquilo que tem impacto econômico ou político, […] e garantir que [essa regulamentação] não impeça o desenvolvimento tecnológico”, explica.
IA traz possibilidades de novas modalidades de guerra
Santos afirmou na coletiva que a ascensão da IA também impacta na segurança nacional, uma vez que traz outra perspectiva no que diz respeito à produção de armas autônomas, como drones, e altera a forma como os países vão se preparar para o confronto. Ela afirma que a tecnologia é essencial para ter poder de dissuasão.
“Para se proteger precisa ter o domínio tecnológico, então são várias dimensões do desenvolvimento tecnológico, a gente tem que funcionar com parâmetros de bom senso, e que partem do pressuposto da defesa da vida sem interromper a inovação, a criatividade.”
Questionada sobre como o Brasil pode liderar o debate sobre IA no Sul Global, Santos sublinha que essa “não será uma construção fácil”.
“Até hoje a gente luta para ter acordos ambientais, e os grandes países do mundo, na prática, sempre se fecham a assinar metas de descarbonização. Eles colocam metas para os países em desenvolvimento, ou seja, eles querem custear as metas do país em desenvolvimento e eles ficam sem nenhum tipo de responsabilidade de qualquer meta de descarbonização. Esse tipo de lógica não pode acontecer. É uma lógica que impede aqueles determinados países de terem sua autonomia, de se desenvolverem”, destaca a ministra.
Nesse contexto, a ministra afirma que “a luta política está posta” no que diz respeito à busca pela soberania digital.
“É claro que ela não é explícita, mas ela está posta. É assim: ‘Vocês serão consumidores dessa tecnologia e nós somos produtores’ [dizem os países ricos], e nós vamos dizer ‘Não, nós vamos ser produtores, nós vamos defender o interesse das nossas nações’.”
Ela destaca que os países do Sul Global têm desafios e estágios diferentes na busca pela soberania digital, o que inclui o Brasil, e acrescenta que, da parte do presidente Lula, o Brasil não vai se conformar em ser um país dependente da tecnologia estrangeira.
“Da parte do presidente Lula, isso [dependência estrangeira] nunca existirá. Nós vamos lutar para sermos autônomos, sermos soberanos. Porque isso diz respeito ao interesse do povo brasileiro. Soberania é um assunto popular, soberania é um assunto do povo”, conclui a ministra.