Está em discussão na Petrobras a reestatização da Refinaria da Amazônia (Ream), vendida por US$ 257,2 milhões para o grupo Atem no fim do governo Bolsonaro. A planta é a única da região Norte do país e hoje opera abaixo da capacidade, com o restante da demanda sendo atendido por combustível importado do mercado nacional e internacional.
Fontes que acompanham o tema junto à Petrobras afirmaram para A CRÍTICA que o assunto está sendo debatido internamente, mas ainda sobre ‘se’ e ‘como’ a reestatização poderia ser feita sem ferir os mecanismos de governança da estatal.
“A recompra é uma discussão que efetivamente existe. A questão é que os mecanismos de governança da Petrobras são muito rígidos e uma decisão como essa passa não por uma questão meramente política, mas empresarial, de interesse e viabilidade econômica”, disse à reportagem um nome que tem entrada na estatal.
Um executivo do setor que acompanha o debate nos bastidores disse que o grupo Atem já teria, inclusive, demonstrado interesse em vender o ativo. Essa informação também foi publicada neste mês pelo colunista Lauro Jardim, d’O Globo, ocasião em que a empresa negou tal vontade.
“Eles [Atem] já demonstraram verbalmente interesse em vender. É que a expertise deles é a distribuição. É com o que o grupo já atuava e se consagrou na região. Eles entraram no negócio de refino e viram que é muito caro. A Petrobras atuava, mas dividindo o custo com suas outras unidades. A Ream agora não tem isso”, comentou o executivo.
Prejuízo
O mais recente relatório de desempenho da refinaria aponta que a Ream teve queda de 26,1% na receita líquida do 1º trimestre de 2024. A comparação é com o mesmo período de 2023. A empresa justifica que isso se deu pelo aumento de despesas e menor volume de vendas.
“No primeiro trimestre, a receita líquida foi de R$2,1 bilhões, em comparação com R$2,8 bilhões no mesmo período do ano passado, representando uma redução de 26,1%. Essa variação em relação ao ano anterior é principalmente devida a um menor volume de vendas, o que se deve à maior estocagem dos grandes distribuidores no final de 2023”, consta no relatório acessado pela reportagem.
Paralisação
Em maio deste ano, a Ream iniciou um “programa de manutenção intensiva”, conforme informou ao jornal O Globo. Em decorrência da atividade, a refinaria paralisou a sua principal atuação, o refino, e ampliou a importação de combustíveis para atender a demanda da região Norte, que representa 90% do mercado da refinaria. A CRÍTICA procurou a empresa para esclarecer se a manutenção continua em andamento, mas a Ream optou por não comentar.
De acordo com o relatório da companhia referente ao 1ª trimestre deste ano, desde maio de 2023 a Ream passou a importar combustível para atender os consumidores. A refinaria explica, no documento, que a operação sai mais barata do que o modelo anterior, quando a importação era feita por outra empresa.
“A Administração, entende, que os benefícios dessa modalidade são: i) Redução de custos intermediários através do encurtamento da cadeia de fornecimento, (considerando que anteriormente para a importação de produtos utilizava-se a entidade parte relacionada – Amazônia Energia Indústria e Comércio de Combustíveis Ltda.; e ii) Benefícios fiscais tais como: isenção do PIS e Cofins e crédito presumido de ICMS”, informa o relatório financeiro.
A empresa não quis informar de onde importa os combustíveis, mas a reportagem apurou junto a fontes do setor de navegação e distribuição que a compra varia entre transações junto à própria Petrobras, no Brasil, e também com fornecedores no Peru e Estados Unidos. A CRÍTICA reforça que o espaço está aberto para manifestações da refinaria.
Críticas
A opção da Ream por importar combustíveis para atender a demanda local tem sido, inclusive, utilizada como argumento nos bastidores para defender a reestatização da refinaria. “Eles pararam o refino e estão priorizando importar para vender aqui. Essa é a informação que temos. Creio que seria mais vantajoso reestatizar, porque estamos pagando um combustível importado”, disse à reportagem um interlocutor do governador Wilson Lima, que tem sido informado sobre as movimentações.
Presidente do Sindicato dos Petroleiros do Amazonas (Sindipetro-AM), Marcus Ribeiro diz que a refinaria corre o risco de se transformar em um terminal logístico para importação de combustível. Ele também destaca que o sindicato homologou 40 demissões de trabalhadores da Ream somente em junho.
“Quando o grupo Atem se interessou pela refinaria não foi para refinar, mas pelo terminal, seus tanques, as esferas, o porto. A cada seis anos, a refinaria é obrigada a parar para manutenção. Desde o final de maio, ela disse que ia parar as unidades. Ela alega que é para manutenção, mas estamos acostumados com manutenção, e é uma loucura, uma movimentação intensa, o que não está acontecendo, hoje, na refinaria”, afirma.
Ao Estadão, a Ream afirmou que adiantou partes do cronograma de manutenção em razão da previsão de seca extrema para este ano. “Trata-se de um movimento planejado, previsto desde a aquisição da unidade, em dezembro de 2022, e devidamente alinhado junto aos órgãos reguladores. Desde o início da parada, estamos atendendo às demandas de nossos clientes sem interrupções e sem impactos ao abastecimento do mercado”, informou a refinaria ao jornal paulista.
Conforme o relatório de desempenho da empresa, o volume refinado no primeiro trimestre deste ano foi de 649 mil metros cúbicos, o equivalente a 71% da capacidade da refinaria. Ainda assim, o volume foi 17% maior que o refinado no primeiro trimestre de 2023, 398,2 mil metros cúbicos.
Pré-privatização
Um levantamento realizado pelo Instituto de Estudos Estratégicos de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (Ineep), a pedido de A CRÍTICA, revelou que houve uma queda de 19,6% na produção de derivados de petróleo, na Ream, na comparação entre antes e depois da privatização.
“Os dados fornecidos pela ANP atestam que, em junho de 2024, a Ream registrou uma produção de 748.278 barris de derivados totais. Comparativamente, no mesmo mês de 2023, a produção foi de 880.885 barris, enquanto em junho de 2022, a produção foi de 930.758 barris. Esses dados indicam uma queda de quase 20% entre junho de 2022 (pré-privatização) e junho de 2024 (pós-privatização). Vale observar que a queda foi ainda mais intensa neste último ano”, avalia o Ineep.
À reportagem, a Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) respondeu que foi informada sobre paralisação no refino da Ream em abril de 2024. Segundo o órgão federal, que diz acompanhar o cenário, se a paralisação passar de um ano, a refinaria precisará de autorização da ANP para voltar a funcionar. Caso a paralisação ultrapasse dois anos, a empresa ficará sujeita a processo administrativo de revogação da operação.
A CRÍTICA também procurou a Petrobras, mas a estatal não retornou até o fechamento desta matéria.
Fonte: A crítica