Agencia O Globo
A nova cepa do coronavírus, encontrada inicialmente em Manaus, já está em 91% das amostras de vírus sequenciadas no Amazonas e pode ter sabotado a imunidade coletiva de Covid-19 que existia na cidade, afirmam cientistas que monitoram a situação.
— Provavelmente essa nova variante já está em outras regiões do país, e é questão de tempo ela se tornar dominante. Em cerca de um mês já deve prevalecer sobre outras no monitoramento — disse o infectologista Marcus Lacerda, da Fiocruz-AM.
Segundo ele, há muitos indícios de que a P.1, sigla dessa variante específica do vírus, é de fato um subtipo do vírus com maior capacidade de transmissão.
Anteontem à noite, uma equipe internacional com participação da USP, Universidade de Oxford, King’s College e Universidade Harvard publicou artigo sobre o tema. Encabeçados por Ester Sabino, do Instituto de Medicina Tropical da USP, a P.1 é apontada como uma das principais suspeitas pela escala arrasadora da segunda onda de Covid-19 que varreu Manaus.
Em setembro do ano passado, o grupo havia publicado artigo sugerindo que a capital amazonense já teria atingido a chamada “imunidade de rebanho”, quando a parcela de população infectada pelo vírus é tão alta que o sistema imune das pessoas torna-se barreira à disseminação.
De maio a dezembro, os manauaras praticaram pouco isolamento social sem que o vírus tenha se disseminado muito. A explosão de casos ocorrida em janeiro de 2021, que provocou um segundo colapso do sistema de saúde do município, e também do estado, coincidiu com a emergência do P.1, sugerindo uma ligação.
Pacientes transferidos
Alguns dos pacientes tiveram de ser transferidos para outros estados para conseguir atendimento de UTI, o que provocou críticas por parte de alguns médicos.
— O mundo inteiro está fechando os voos para o Brasil, e o país não só está aberto normalmente, como está retirando pacientes de Manaus e mandando para Goiás, Bahia, outros lugares, sem fazer os bloqueios de biossegurança — afirmou Luiz Henrique Mandetta, ex-ministro da Saúde, ao programa Manhattan Connection, da TV Cultura. — Provavelmente vamos plantar essa cepa em todos os territórios da federação, e daqui a 60 dias podemos ter uma megaepidemia.
Lacerda concorda com a gravidade da situação, mas critica a fala de Mandetta.
— A transferência de pacientes é uma questão humanitária, e não é o transporte controlado deles que está espalhando vírus, mas sim as pessoas que viajam e não praticam isolamento e medidas de controle — disse.
Dada a alta prevalência desse vírus na Região Norte, diz Lacerda, fechar divisas de estado não deve surtir mais efeito, porque o vírus já deve estar em outras regiões.
Manaus teve duas ‘primeiras ondas’
No artigo liderado por Ester Sabino, da USP, os cientistas afirmam que o P.1 pode ter interferido na epidemia de Manaus de duas formas. Por ser mais transmissível, o vírus pode ter aumentado sua prevalência naturalmente, competindo por espaço com outras variedades do Sars-CoV-2. Mais preocupante, as mutações sofridas por essa variante do vírus podem tê-lo tornado capaz de infectar pessoas que já tinham adquirido imunidade.
Outras explicações podem estar por trás da segunda onda explosiva da cidade, como um declínio natural da imunidade adquirida, mas é pouco provável, escrevem os pesquisadores. Pode ter acontecido que a imunidade de rebanho tenha sido superestimada, por problema no recorte de pacientes.
A primeira onda da Covid-19 em Manaus foi mais dura no estrato mais pobre da cidade, enquanto o grupo mais rico foi mais afetado na segunda onda. Ou seja, é como se a cidade tivesse tido duas “primeiras ondas” em populações diferentes, diz Lacerda.
Para Sabino e seus colegas, todas essas hipóteses não são mutualmente excludentes, podem ocorrer simultaneamente. “O aumento abrupto no número de internações hospitalares em Manaus durante janeiro de 2021 é inesperado e preocupante”, escreveu a pesquisadora.
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