Faltaram degraus de escada na escola pública Albanízia de Oliveira Lima, em Belém, para que todos os estudantes de ensino médio com boas notas na redação do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) aparecessem em uma foto com a professora Ione Franco. Os alunos mostraram em plaquinhas o resultado da prova na imagem que viralizou pelas redes sociais.
“Essa foto é resultado de um trabalho intenso ao longo do ano, de atendimento individual, atendendo cada um com suas dificuldades, com seus repertórios socioculturais, e com uma relação muito próxima entre professor e aluno”, ela conta.
O treinamento para o Enem é feito dentro do projeto “Construção e Reconstrução do Texto”, conduzido pela professora, que já atua na área há 24 anos. Nele, os estudantes das turmas de redação da professora Ione tiveram que reescrever o mesmo texto dezenas de vezes até chegarem em um bom resultado.
“É cansativo, no início eles estranham, mas trata-se da construção e reconstrução do texto, olhando para os mecanismos linguísticos, argumentativos até chegar no resultado final”.
A professora, que é especialista em abordagem textual pela Universidade Federal do Pará (UFPA), explica a estratégia usada para estimular o olhar crítico de cada aluno, individualmente.
“Nessa metodologia é fundamental trabalhar junto, olho no olho, já que cada tem sua particularidade, não há como explicar um assunto e todos assimilarem da mesma forma, então nós vamos reescrevendo juntos cada texto, trinta, quarenta, cinquenta vezes, cada parte do texto, e eles foram se interessando cada vez mais”.
Ela acredita que o resultado das notas causou uma felicidade geral na escola. “É uma satisfação enorme ver a alegria deles, o reconhecimento vindo pela nota, a mudança nos comportamentos, a transformação, o olhar de mundo diferenciado. Eles passam a compreender os assuntos que estão cercados, e a enxergar tudo isso com crítica, como verdadeiros cidadãos”.
O cotidiano na escola pública
Ser estudante de escola pública em Belém envolve diversos enfrentamentos no cotidiano. A distância da casa até a escola, o transporte público deficiente. Tudo isso fazia parte do dia a dia de Kaynan Mackayat, de 18 anos, que tirou 960 na redação do Enem e quer entrar no curso de medicina ou de relações internacionais. Ele mora no bairro Mangueirão, a cerca de 7 KM da escola.
“Apesar de andar de ônibus lotado, eu me considero até com sorte porque tem colegas que moram ainda mais longe. Eu acordava bem cedo, às 5h45, e ia até a parada de ônibus, aguardar que algum ônibus parasse, já que no horário de pico, muitos não param, e eu precisava estar às 7h30 na escola, para não perder aula”.
Kaynan conta que por sempre ter envolvimento com a leitura, com as suas várias franquias que coleciona, nunca teve problema com redação, mas o aprendizado na escola o levou a aprender o que é uma redação de Enem, com um texto organizado e contendo os requisitos que um corretor de prova espera encontrar na prova. “Melhorei muito quando realmente tive acesso a essas redações semanais, com a ajuda de profissionais que me ensinaram como fazer uma redação”.
Ao resultado, o estudante agradece ao “trabalho diferenciado” de professora Ione. “Ela demonstrou ser uma professora diferente de todas que já me ensinaram, levando as nossas causas, problemas e dificuldades para a sala de aula. Ela não escolheu aqueles com maior aptidão para investir, ela nos olhou e enxergou potencial em todos, igualmente. Por isso a escola teve esse resultado tão bom”.
A expectativa de Kaynan agora é pelo resultado nas universidades em que se inscreveu. Na Universidade Federal do Pará (UFPA) o listão deve sair em até 15 diasapós o resultado divulgado na quinta-feira (9) pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep).
Mesmo confiante na aprovação, ele garante que o que vier será bem recebido, devido ao apoio em casa.
“Minha família toda me apoia, mas a minha mãe, uma gerente de loja no centro de Belém, que trabalha o dia inteiro, é a pessoa que conversa comigo para enxergar que, passando dessa vez, ou não o importante é seguir em frente, tentando”.
fonte: .G1