Por Susan Monteverde – Parintins celebra o aniversário de Lindolpho Monteverde, fundador do Boi Garantido, que se vivo estivesse estaria completando hoje (2), 118 anos.
Lindolpho Marinho da Silva, mais conhecido como Lindolfo Monteverde, nasceu em no dia de hoje (2/1) de 1902, na cidade de Parintins.
E faleceu no dia 05 de julho de 1979, uma quinta-feira, aos 77 anos, em Parintins.
Descendente de negros escravizados – seus filhos contam que sua avó era marcada a ferro e fogo nas costas -, Lindolfo tornou-se cancioneiro popular, poeta e fundador do boi Garantido.
Cantava tão forte e tão afinado que virou lenta.
Sempre ouvi dizer que quando ele cantava a terra estremecia; ou que, quando cantava na Baixa, ouvia-se no bairro da Francesa, no curral do boi contrário.
Lindolfo, pai de seis filhos, boêmio, versador, pescador, forjou seu boi na simplicidade e na força da tradição do povo humilde da Baixa da Xanda..
Seu boi sempre foi branco, com coração na testa; primeiro pintado com carvão, depois, com tinta vermelha bem viva.
O boi-bumbá Garantido, o legado de Lindolfo, também chamado Mestre Lindolfo, nasceu no meio dos humildes e a esses dedicou, dedica e dedicará a sua existência, como um farol poético das suas aspirações.
Não conheci o meu bisavô. O meu avô sempre contava histórias sobre ele e o seu Garantido antes de a gente dormir.
Cresci vendo o desenrolar de uma brincadeira simples.
Cresci sabendo que teríamos que fazer todos os anos as festas tradicionais que meu bisavô fazia, para que a nossa família não esqueça das suas origens e das suas tradições.
Assim fazemos. O espetáculo alcançado pelos bois de Parintins não deve se sobrepor ao boi de terreiro e ao boi de rua.
Na minha vivência, junho é um mês de família, mês da exaltação à promessa de meu bisavô a São João, que o curou de uma grave doença.
Como retribuição, Lindolfo se comprometeu com o santo que criaria o Garantido, para brincar todos os anos, no terreiro e nas ruas.
Ele cumpriu a promessa. E o Garantido brinca todos os anos no curral e nas ruas.
Por isso, o Garantido é chamado de Boi do Povão, porque assume a diversidade sociocultural, porque aglutina os ares da modernidade sem perder a essência de brincadeira popular.
O torcedor ou o brincante do vermelho sabe de onde veio o seu boi, quem é o seu fundador, sabe qual é o seu lugar de origem.
Sabe, assim como Lindolfo, que a beleza se manifesta na simplicidade, na luta cotidiana, no rufar dos tambores, no balançar dos braços e no ritmo da toada.
Por tudo isso, o ser da Baixa é sinônimo de força e alegria do povo encarnado.
É também motivo de identidade individual e coletiva.
“Urrou meu novilho / na praia pequena / na beira do rio / o meu boi urrou / todo o povo sorriu…”
Esse é o boi de Lindolfo, celebrado por estar na memória do povo simples, uma brincadeira para a acalantar a vida difícil, por meio da crítica contida na inversão de papéis sociais: personagens do povo assumem papéis fundamentais no enredo que denuncia as desigualdades e as injustiças.
A brincadeira do Garantido é um espaço livre da opressão, pois nele se estimula o canto, a dança, o desafio versado e o sorriso largo.
Lindolfo vive no coração de cada brincante que bate forte no ritmo do “dois para lá, dois para cá”.
Vive na mente e na memória de quem conviveu com ele, na genialidade dos seus versos, no sorriso dos seus brincantes e nos símbolos de sua brincadeira.
O boi de pano tem corpo, alma e coração, imaginários de meninos e meninas, fé do criador.
Esse é um legado que passa de geração para geração e se constitui o orgulho de uma grande família, a família Garantido.
*A autora é jornalista e professora da Ufam/Parintins