A Igreja Ortodoxa Russa, coordenada pelo patriarcado de Moscou, tem 110 anos de presença no Brasil. Atualmente, esta religião está representada em cidades como o Rio de Janeiro, São Paulo, Porto Alegre, Recife, Brasília e Manaus.
Após décadas voltada para a diáspora russa no Brasil, realizando missas na língua original, a Igreja decidiu encarar o fato de que os brasileiros estão procurando cada vez mais o amparo espiritual em suas paróquias. Por isso, a Igreja Ortodoxa Russa passou a realizar missas em português, abraçando o seu crescente número de fiéis e sacerdotes brasileiros.
“Na nossa paróquia aqui do Rio de Janeiro cresce muito o número de fiéis brasileiros”, disse o padre Roman, da Igreja Ortodoxa Russa do Rio de Janeiro, à Sputnik Brasil. “Nos serviços da véspera do sábado à noite tinha só brasileiros. Então não fazia sentido fazer [a missa] em russo, até porque pessoas do coro não sabiam ler eslavo antigo.”
Padre Roman revela que a comunidade russa no Rio de Janeiro não é tão expressiva, e seus descendentes de terceira geração frequentam a igreja somente em momentos-chave da vida, como no batismo, na morte e no casamento.
“A paróquia no Rio de Janeiro conta hoje com cerca de 80% de fiéis brasileiros convertidos à ortodoxia”, confirma Padre Roman.
Segundo este padre carioca, os brasileiros vão à Igreja Ortodoxa em busca de tradicionalismo e rigor religioso.
“A maioria busca a questão da tradição, é o que fascina as pessoas descontentes com o catolicismo ou protestantismo”, revela padre Roman. “São pessoas bastante estudiosas, que estudam muito patrística e a liturgia de São João Crisóstomo do século IV, e descobrem que essa mesma liturgia é celebrada até hoje na Igreja Ortodoxa.”
A admiração pela cultura e política russa também leva brasileiros a procurar a paróquia do padre Roman. Mas ele aponta que é necessária muita dedicação espiritual para permanecer na Igreja Ortodoxa.
“Muitas pessoas vêm por admiração pela cultura russa ou pela dimensão política, por considerarem que a Rússia é o único país conservador do mundo cristão, já que os demais seriam todos muçulmanos”, considerou Padre Roman. “Mas para a pessoa ficar, normalmente ela tem que passar da dimensão cultural-política para a dimensão espiritual da Igreja.”
Os ritos da Igreja Ortodoxa também são mais solenes do que os das demais igrejas cristãs, o que exige adaptação dos fiéis brasileiros. As missas são mais longas, não há banco para se sentar na igreja, e os cânticos são feitos à capela, sem ajuda de instrumentos musicais.
“O jejum na Igreja Ortodoxa, por exemplo, é estrito e toda quarta e sexta. Não é só na Sexta-Feira Santa brasileira que ao invés de comer carne, as pessoas comem bacalhoada”, brincou o padre Roman. “Além disso, a nossa liturgia tem que ser feita necessariamente de manhã, e não no fim da tarde, depois da praia e do futebol.”
O rigor dos ritos ortodoxos já pegou o próprio carioca Roman de surpresa. O padre conta que, em viagem à Rússia, teve que fazer uma vigília de quatro horas e meia, em pé e sem descanso.
“Em um momento eu já estava cansado, mas percebi que as senhoras fiéis, as babushkas [avós, em russo] se mantinham de pé sem reclamar”, relatou o padre Roman. “Nessas horas você vê a garra do povo russo e a sua resiliência.”
Berço da cultura russa no Rio Grande do Sul
Resiliência é a palavra de ordem da comunidade russa na cidade de Campina das Missões, a 510 quilômetros da capital do Rio Grande do Sul, Porto Alegre. Formada em 1909, quando os primeiros russos chegaram à região, a comunidade precisou da ortodoxia para manter suas tradições e costumes nestes 113 anos.
“Se não fosse a Igreja Ortodoxa teria sido muito difícil manter a comunidade unida”, disse o presidente da Associação Cultural Russa Volga do Brasil, Jacinto Anatolio Zabolotsky, à Sputnik Brasil. “A Igreja foi um pilar para manter a nossa história e cultura.”
A cidade de Campina das Missões abriga a primeira igreja ortodoxa russa do Brasil, fundada em 1912, pertencente à paróquia Santo Apóstolo Evangelista João Teólogo. Considerada por lei estadual como “o berço da cultura russa no Rio Grande do Sul”, a comunidade local está empenhada atrair o turismo religioso para a cidade.
“Estamos montando a Rota da Fé, para que as pessoas possam conhecer a nossa tradição, visitar a nossa igreja, nossa capela, e até o cemitério ortodoxo, que é o único da América Latina”, disse Zabolotsky.
A comunidade local também prepara a inauguração do 1º Jardim Bíblico da América do Sul, onde estão sendo plantadas 132 árvores citadas nas escrituras, como oliveiras, tamareiras, romãzeiras e macieiras, e cuja inauguração está prevista para outubro de 2023.
Entre os dias 8 e 9 de outubro, a cidade recebeu o cônsul-geral da Rússia no Brasil, Vladimir Tokmanov, e o bispo do Brasil e da América do Sul da Igreja Ortodoxa Russa, Sua Eminência Dom Leonid, acompanhado dos sacerdotes Anatólio Topala e Sérgio Yurin, para comemorar os 110 anos da fundação da 1ª Igreja Ortodoxa no Brasil.
Para Zabolotsky, a Igreja Ortodoxa tem potencial para crescer entre brasileiros não descendentes de russos, que “veem que a ortodoxia é uma religião correta, que não se envolve em escândalos”.
“Acho que a Igreja Ortodoxa Russa tem boas perspectivas no Brasil. As pessoas demonstram cada vez mais interesse em se associar e novas igrejas estão sendo fundadas”, acredita Zabolotsky, que foi condecorado pela Igreja por seu empenho na manutenção das atividades ortodoxas.
Recentemente, a Igreja Ortodoxa de Jabotão dos Guararapes, na região metropolitana do Recife, se associou ao patriarcado de Moscou, tornando-se a mais nova igreja russa do Brasil. A Igreja Ortodoxa Russa, sob a jurisdição do Patriarca de Moscou e Toda a Rússia, conta com cerca de 135 milhões de adeptos, configurando como a maior igreja ortodoxa da modernidade em número de fiéis.
De: Ana Lívia Esteves – Sputinik Brasil