A Uber terá que contratar todos os motoristas cadastrados na plataforma, além de pagar multa de R$ 1 bilhão por danos morais coletivos, segundo decisão do juiz do Trabalho Maurício Pereira Simões, da 4ª Vara do Trabalho de São Paulo. A medida tem validade em todo o território nacional.
O parecer atende a uma ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público do Trabalho, por meio da Procuradoria Regional do Trabalho da 2ª Região.
O juiz também estabeleceu uma multa diária de R$ 10 mil para cada motorista do aplicativo sem registro. A decisão deverá ser cumprida em seis meses, a partir do trânsito em julgado e da intimação para início de prazo.
Uma vez intimada, a empresa deverá relacionar todos os motoristas com cadastro ativo na plataforma. Depois, deverá comprovar a regularização dos contratos de trabalho de 1/6 deles a cada mês, até o término do prazo.
Os valores da multa por danos morais coletivos devem ser destinados ao Fundo de Amparo ao Trabalhador em 50%. A outra metade deverá ir para associações de motoristas de aplicativos que tenham registro em cartório e constituição social regular, em cotas iguais.
O juiz do Trabalho Maurício Pereira Simões afirma, na sentença, que a Uber “agiu dolosamente no modo de se relacionar com seus motoristas”, com sonegação de direitos mínimos.
“Não se trata nem sequer de negligência, imprudência ou imperícia, mas de atos planejados para serem realizados de modo a não cumprir a legislação do trabalho, a previdenciária, de saúde, de assistência, ou seja, agiu claramente com dolo, ou se omitiu em suas obrigações dolosamente, quando tinha o dever constitucional e legal de observar tais normas”, diz na decisão.
Empresa diz que vai recorrer
Procurada pela CNN, a Uber disse que irá recorrer da decisão e que não irá adotar nenhuma das medidas elencadas na sentença antes que todos os recursos cabíveis sejam esgotados.
“Há evidente insegurança jurídica, visto que apenas no caso envolvendo a Uber, a decisão tenha sido oposta ao que ocorreu em todos os julgamentos proferidos nas ações de mesmo teor propostas pelo Ministério Público do Trabalho contra plataformas, como nos casos envolvendo Ifood, 99, Loggi e Lalamove, por exemplo”, diz o comunicado.
A empresa diz ainda que a decisão representa “um entendimento isolado e contrário à jurisprudência que vem sendo estabelecida pela segunda instância do próprio Tribunal Regional de São Paulo em julgamentos realizados desde 2017, além de outros Tribunais Regionais e o Tribunal Superior do Trabalho”.
A Uber afirma que a sentença não considerou de forma adequada o “robusto conjunto de provas produzido no processo e tenha se baseado, especialmente, em posições doutrinárias já superadas, inclusive pelo Supremo Tribunal Federal”.
“Na sentença, o próprio magistrado menciona não haver atualmente legislação no país regulamentando o novo modelo de trabalho intermediado por plataformas. É justamente para tratar dessa lacuna legislativa que o governo federal editou o Decreto Nº 11.513, instituindo um Grupo de Trabalho ‘com a finalidade de elaborar proposta de regulamentação das atividades executadas por intermédio de plataformas tecnológicas’, incluindo definições sobre a natureza jurídica da atividade e critérios mínimos de ganhos financeiros”, conclui o documento.
Ministério Público
Segundo o procurador geral do Trabalho, José de Lima Ramos, essa decisão é de grande importância para o debate sobre as relações de trabalho via plataformas digitais. “No curso dessa Ação Civil Pública, o MPT teve acesso a dados completos da Uber que permitiram, junto com a instrução realizada no inquérito civil, demonstrar o exercício do poder diretivo da Uber diante dos motoristas. A ACP foi fruto do trabalho coletivo de colegas envolvidos na temática e com todo o suporte da PGT”, diz.
Para Lima, trata-se de “uma das maiores condenações em primeiro grau da história da Justiça do Trabalho brasileira”. Ele afirma que demandou análise jurídica densa “e, sem sombra de dúvidas, o maior cruzamento de dados da história do MPT e da Justiça do Trabalho”.
Outro lado
Por meio de nota, a Uber informou que vai recorrer da decisão proferida pela 4ª Vara do Trabalho de São Paulo e não vai adotar nenhuma das medidas elencadas na sentença antes que todos os recursos cabíveis sejam esgotados.
“Há evidente insegurança jurídica, visto que apenas no caso envolvendo a Uber, a decisão tenha sido oposta ao que ocorreu em todos os julgamentos proferidos nas ações de mesmo teor propostas pelo Ministério Público do Trabalho contra plataformas, como nos casos envolvendo Ifood, 99, Loggi e Lalamove, por exemplo”, diz a nota.
Para a Uber, “a decisão representa um entendimento isolado e contrário à jurisprudência”. A empresa informa ainda que “em todo o país, já são mais de 6.100 decisões de Tribunais Regionais e Varas do Trabalho afastando o reconhecimento da relação de emprego com a plataforma”.
Análise
Advogados especialistas em direito do trabalho receberam com grande surpresa a decisão contra a Uber. Para o advogado Ronan Leal Caldeira, responsável pela área trabalhista do GVM Advogados, essa sentença provavelmente será reformada na segunda instância ou em instâncias superiores. “É um verdadeiro absurdo e inexiste o requisito da subordinação. Se for mantida, não me admirarei que a Uber feche as portas aqui no Brasil”, diz
“Há diversos e recentes julgamentos proferidos pelo Supremo Tribunal Federal que reconhecem a validade de modalidades de trabalho alternativas ao vínculo celetista, tendo em vista já ter sido firmado tese na Suprema Corte que admite a validade da terceirização de qualquer atividade econômica.”, diz Mayra Palópoli, do Palópoli & Albrecht Advogados. Para ela, o valor exorbitante atribuído ao dano moral coletivo causa grande insegurança jurídica a atividade empresarial como um todo.
Para Ana Carolina Machado Lima, sócia e coordenadora da área trabalhista do SGMP Advogados, a decisão de encontro à modernização das relações de trabalho. “O STF, em mais de uma oportunidade, decidiu que há outras formas de contratação além da CLT”, diz. A advogada diz também que, com a decisão, a atividade econômica fica inviabilizada, além de limitar a liberdade de negociação entre as partes. Segundo Ana Carolina, o reconhecimento do vínculo traz benefícios, mas vem acompanhado de muitas limitações e impõe uma série de obrigações aos motoristas.
Fonte: CNN Brasil