Os casos aconteceram com indígenas que foram transferidos para os hospitais Delphina Aziz e 28 de Agosto. Os acompanhantes deles estão em isolamento na Casai em Manaus (Foto: Alberto César Araújo/Amazônia Real)
Manaus (AM) – Um ancião do povo Tikuna e uma mulher da etnia Kokama morreram por Covid-19 dentro de hospitais públicos da capital amazonense – Delphina Aziz e Hospital e Pronto-Socorro 28 de Agosto -, informou neste sábado (11) o Ministério da Saúde. Em nota, o ministério foi direto: “fomos informados da confirmação para Covid-19 dentro da rede hospitalar em Manaus”.
Funcionário da Secretaria Especial de Saúde (Sesai), Weydson Gossel Pereira, coordenador do Distrito Sanitário Indígena (Dsei) do Alto Rio Solimões, em Tabatinga, disse à Amazônia Real que os dois indígenas são da região e foram internados para tratar outras doenças, como problemas cardíacos e anemia autoimune. “Tudo indica, não tem outra forma, é o que estamos avaliando, que foram infectados nos hospitais”.
Valter Tanabio Elizardo, de 78 anos, que é Tikuna da comunidade Belém de Solimões, foi transferido de Tabatinga, em UTI aérea do estado, para Manaus, no dia 16 de março. Ele estava em tratamento de problemas cardíacos no hospital Delphina Aziz, que fica na zona norte da cidade e é a referência no estado para o tratamento do novo coronavírus. De acordo com o boletim do Ministério da Saúde, durante o período de tratamento, ele testou positivo para Covid-19, o que agravou seu quadro de saúde. Morreu na tarde deste sábado. Não foi informada a data da testagem para o coronavírus.
A transferência de Maria Vargas Castelo Branco, de 44 anos, Kokama da comunidade Monte Santo, em São Paulo de Olivença, para Manaus foi no dia 28 de fevereiro, em uma embarcação. Ela estava internada para tratar anemia hemolítica autoimune, no Hospital e Pronto-Socorro 28 de Agosto. Chegou a ficar na mesma sala de emergência onde um paciente testou positivo para Covid-19, diz o boletim do Ministério da Saúde (leia no final do texto). Morreu às 20h de sexta-feira (9) por “insuficiência respiratória” causada pelo novo coronavírus, além de septicemia.
Por mensagem de texto enviado em grupos do Whatsapp, o líder Kokama Gracildo Moraes Arcanjo, ex-cacique da aldeia Monte Claro, lamentou a perda de Maria Vargas. “Agora a tarde perdemos uma comunitária, Dona Maria Vargas. Faleceu hoje à tarde na capital do estado, Manaus. A mesma estava em tratamento de saúde a mais de dois meses. Aqui presto a minha solidariedade à família daquela que em vida se chamou Dona Maria Vargas”, diz ele. Gracildo lembra que, quando foi cacique de Monte Claro, o esposo de Maria foi seu vice.
“Que Deus conforte o coração de todos os familiares e de todos nós comunitários. Uma indígena Kokama que hoje (dia 11) nos deixou e partiu para a vida eterna”, diz Gracildo Moraes Arcanjo.
O primeiro caso confirmado de Covid-19 no Amazonas foi anunciado em 13 março, quando uma mulher não indígena, de 39 anos, proveniente de Londres, na Inglaterra, chegou infectada em Manaus, segundo a Fundação de Vigilância em Saúde do Amazonas (FVS).
No dia 20 de março, o Ministério da Saúde declarou o reconhecimento da transmissão comunitária do novo coronavírus em todo o Brasil. Isso significa que a transmissão da doença está acontecendo através do contato entre pessoas nas ruas, daí a urgência no isolamento social da população no Amazonas.
Weydson Pereira, 37 anos, coordenador do Dsei do Alto Solimões, lamentou o falecimento dos dois indígenas e disse que conhecia muito Valter, pois trabalhou por cinco anos na comunidade de Belém do Solimões, onde vivem mais de 6 mil pessoas. “Ele era um contador de histórias e muito hospitaleiro, recebia todo mundo bem”.
Pereira descartou a possibilidade de contágio do novo coronavírus ter acontecido na Casa da Saúde Indígena (Casai) de Manaus. “Os dois ficaram internados nos hospitais”. Na Casai, segundo ele, estão em isolamento os acompanhantes dos indígenas mortos. Os testes dessas duas pessoas não foram divulgados.
Com os novos óbitos, sobe para cinco o número de indígenas vítimas de Covid-19 no Brasil. O Tikuna e a Kokama, mais o jovem Yanomami, morto em 10 de abril, estão dentro da estatística da Sesai por serem considerados indígenas aldeados.
Segundo o Instituto Sociambiental (ISA), morreram também infectados pela Covid-19 uma mulher de 87 anos, da etnia Borari, no Pará, e um homem do povo Mura, de 55 anos, do município de Itacoatiara, no Amazonas. Como eles viviam em contexto urbano e não recebiam cobertura do subsistema de saúde indígena dos Dseis, os óbitos não foram contabilizados no boletim epidemiológico da Sesai.
Até este sábado (11), a Sesai confirmou oito indígenas com o novo coronavírus no país, além de 24 casos suspeitos e 31 descartados.
Dos casos confirmados, quatro são de indígenas Kokama, da aldeia São José, localizada no município de Santo Antônio do Içá (a 878 quilômetros de Manaus). Um dos casos já curado é da agente de saúde Suzane da Silva Pereira, de 20 anos. “Ela está recuperada, mas continua no isolamento por causa da filha dela e da mãe, que estão finalizando a quarentena, assim como um vizinho”, disse o coordenador do Dsei do Alto Solimões.
Barreira sanitária no Alto Solimões
A transmissão de coronavírus em indígenas da região do Alto Solimões, no oeste do Amazonas começou no dia 19 de março, quando o médico Matheus Feitosa fez atendimento, contaminado pela doença, e trabalhou com profissionais de saúde, entre enfermeiros, técnicos em enfermagem e agentes indígenas de saúde. Ao confirmar o caso do médico, a Sesai passou a monitorar a aldeia Lago Grande, da etnia Tikuna, onde o profissional trabalhou.
Weydson Pereira disse que os testes de 12 indígenas Tikuna foram negativos para Covid-19. “Eles continuam no isolamento”, afirmou.
O Dsei Alto Solimões atende a uma população de 70 mil indígenas de 237 comunidades. São 900 pessoas nas áreas de saúde, sendo 85 enfermeiros e 30 médicos, além de 26 equipes multidisciplinares e 430 agentes de saúde indígenas (ASI). Para enfrentar a pandemia do novo coronavírus na região, que faz fronteira com Colômbia, Peru e Bolívia, Pereira disse como é a ação de enfrentando ao vírus. “Em todas as comunidades existem barreiras sanitárias e quarentenas, são medidas preventivas para pandemia”.
Os povos Tikuna, também conhecidos como Magüta, são uma das maiores populações do Amazonas com mais de 53 mil pessoas, segundo a Sesai. Já os Kokama somam mais de 14 mil pessoas. As duas etnias vivem também em territórios na Colômbia e no Peru.
A reportagem da Amazônia Real enviou perguntas às assessorias de imprensa da Secretaria de Estado de Saúde do Amazonas (Susam), da Fundação de Vigilância em Saúde do Amazonas (FVS) e da Secretaria de Comunicação do Governo do Amazonas (Secom) para que eles comentassem as declarações do Ministério da Saúde sobre a contaminação do novo coronavírus nos dois indígenas dentro dos hospitais Delphina Aziz e 28 de Agosto, mas até o fechamento desta reportagem não responderam.
Linha do tempo das internações dos indígenas
O Dsei Alto Solimões enviou à reportagem da Amazônia Real os boletins do Ministério da Saúde com a sequência de internações dos dois indígenas que morreram por Covid-19, em Manaus.
Tikuna morreu no Hospital Delphina Aziz
O ancião Valter Tanabio Elizardo, da etnia Tikuna, da aldeia Belém do Solimões, foi removido em UTI aérea de Tabatinga, para Manaus, para realizar o tratamento cardiovascular.
16 de março: ele foi internado no Hospital Delphina Aziz.
25 de março: o indígena foi transferido para o Hospital Fundação Adriano Jorge, “pois era necessário encaminhar os usuários que estavam na unidade Delphina Aziz para outras unidades hospitalares”, porque o hospital é referência para atendimento de pacientes com Covid -19.
31 de março: Valter foi transferido do Adriano Jorge para o hospital Francisca Mendes, referência em cardiologia. Passou para o tratamento intensivo, com pneumonia e sendo medicado para o Covid-19.
11 de abril: o Ministério da Saúde, por meio da Secretaria Especial de Saúde Indígena e do Distrito Sanitário Especial Indígena Alto Rio Solimões, divulgou que o ancião Tikuna morreu na Unidade de Terapia Intensiva do Hospital Delphina Aziz.
11 de abril: O Ministério da Saúde não informou a data em que Valter foi transferido do Adriano Jorge para o Delphina Aziz e, e nem quando foi realizada a testagem para Covid-19.
Maria morreu no Hospital 28 de Agosto
26 de fevereiro de 2020: Maria Vargas Castelo Branco, de 44 anos, da comunidade Monte Santo, em São Paulo de Olivença, foi removida em uma embarcação para Manaus, dando entrada na Casa de Apoio de Saúde Indígena (Casai), em Manaus
26 de fevereiro: ela é transferida em caráter de urgência para o Hospital e Pronto Socorro 28 de Agosto. Lá, a indígena passou por exames e foi internada para tratamento da anemia.
29 de fevereiro: Maria foi transferida para a Fundação Hospital Adriano Jorge, onde fez exames com uma especialista em Hematologista.
11 de março: Recebeu alta do Adriano Jorge, voltando à Casai.
19 de março: ela recebeu atendimento na Fundação Hemoam, permanecendo no hospital para exames laboratoriais até dia 20. Em seguida, retornou a Casai.
24 de março: o Hemoam comunicou que paciente possuía o diagnóstico de Anemia Hemolítica e que deveria realizar tratamento.
25 de março: Maria foi encaminhada da Casai a urgência do Hospital 28 de Agosto, pois apresentava fraqueza e falta de apetite. Foi medicada e internada para aguardar uma transfusão de sangue.
30 de março: no Hospital 28 de Agosto, Maria passou pelo clínico geral. Ele, segundo o Dsei, informou que a paciente estava debilitada por causa da anemia hemolítica, apresentando desconforto respiratório, sendo encaminhada para sala de emergência do hospital para estabilizar.
31 de março: o Hospital 28 de Agosto informou ao Dsei que um paciente “havia sido diagnosticado com Covid-19 e pelo protocolo da unidade, para evitar contagio, não seria possível receber pessoas”. Maria esteve na mesma sala de emergência desse paciente. (Neste dia uma médica denunciou a contaminação no hospital, como informou o site G1)
1 de abril: Maria foi transferida da sala de emergência para a enfermaria. Seu marido foi encaminhando para a Casai.
2 de abril: o Hospital 28 de Agosto encaminhou a paciente para consulta com uma hematologista no Hemoam, que confirmou o diagnóstico de Anemia Hemolítica Autoimune e vasculite nas mãos, devendo ser avaliada com urgência pelo cirurgião vascular e pelo especialista em reumatologia, pois havia uma suspeita de Lúpus.
2 de abril: ao retornar para Hospital e Pronto Socorro 28 de Agosto, Maria apresentou instabilidade do quadro de saúde.
06 de abril: A indígena Kokama foi encaminhada novamente para sala de emergência, onde foi entubada.
9 de abril: Maria não resistiu e morre às 20h. O Ministério da Saúde não informou a data do teste do novo coronavírus.
11 de abril: Segundo o Dsei Alto Solimões, na Declaração de Óbito consta como causas da morte de Maria Vargas: “insuficiência respiratória aguda por Covid-19, além de Septicemia, Anemia Hemolítica Autoimune, Lúpus e Trombocitemia”.
Funai cobra reforço no protocolo
Em nota de pesar publicada em seu site, a Fundação Nacional do Índio (Funai) lamentou a morte dos dois indígenas. O texto reafirma que os óbitos ocorreram devido ao novo coronavírus e pede que providências sejam tomadas. “Em nome de seu presidente, Marcelo Xavier, a Funai reitera a tristeza de ter que noticiar o ocorrido e reforça a necessidade de que sejam cumpridos os protocolos de contingenciamento junto à Secretaria Especial de Saúde Indígena e aos Distritos Sanitários Especiais Indígenas”, diz um trecho da publicação. (Colaborou Izabel Santos)
Fonte: Amazônia Real