Pela primeira vez, produtora de 41 anos conta como tem lidado com ausência do humorista, morto há um ano, a quem chamava de ‘alma gêmea’: ‘Farei tudo o que puder em nome dele’
Um ano após a morte de Paulo Gustavo — vítima de uma infecção por Covid-19, depois de uma longa batalha contra a doença, aos 43 anos —, Juliana Amaral ainda se refere ao irmão no presente.
— Somos apaixonados um pelo outro. Somos melhores amigos — ressalta ao GLOBO a produtora e assistente de direção de 41 anos, que até hoje não havia dado entrevistas devido à dificuldade em abordar o assunto.
Paulo Gustavo e Ju Amaral: a amizade entre os irmãos que se chamavam de ‘alma gêmeas’
Hoje, ela mora com a mãe, Déa Lúcia, de 74 anos, inspiração para a personagem Dona Hermínia, que notabilizou Paulo Gustavo no país, com a comédia “Minha mãe é uma peça”. Há dias em que ambas gargalham por longos minutos diante de algumas lembranças. Em outros momentos, caem juntas no choro.
— A nossa fé é que nos faz levantar da cama todos os dias — conta Ju, como é chamada pela família e pelos amigos, ao comentar que a morte do irmão poderia ter sido evitada se a vacina tivesse chegado antes no país. — Dizer que não me revolto seria uma hipocrisia. São muitas as dores presentes em mmi
A niteroiense revela que se apega à espiritualidade e ao amor pelos sobrinhos Gael e Romeu, de 2 anos, para compreender a ausência do irmão. Frutos do relacionamento de Paulo Gustavo com o dermatologista Thales Bretas, as crianças já falaram para a tia, em mais de uma ocasião, que receberam uma visita do “papai Paulo”. Um deles se negou a acreditar que o pai tenha virado uma “estrelinha”, como a família explica.
— Meu olho enche de lágrimas. Mas eu disfarço para eles não me verem chorar — emociona-se.
Na entrevista a seguir, ela fala sobre a saudade, a sincronia entre os dois e a decepção com o veto à Lei Paulo Gustavo:
— Foi vetado, mas ainda vamos vencer essa. A minha parte eu vou fazer. As eleições estão aí para todos exercerem o poder de eleger um presidente que respeite o cargo que ocupa e a nação do país que o elegeu, o que definitivamente não é o caso do atual — manifesta-se.
Na última semana, antes do desfile da São Clemente na Sapucaí, você me disse que estava sentindo um misto de tristeza e alegria com a homenagem ao seu irmão no carnaval. Um ano após a morte de Paulo Gustavo, consegue pôr em equação essas sensações?
Ainda não consigo equilibrar esses sentimentos. No dia do desfile, tirei forças não sei de onde para passar naquela Avenida com todo o meu amor, mesmo na dor.
Você já afirmou que se considera a metade de Paulo. Como era essa relação?
A única forma de definição que consigo é a que sempre falávamos: que somos almas gêmeas! Nunca houve assunto proibido entre a gente. Conversávamos até no olhar. Todos os momentos ao lado do meu irmão foram de pura emoção. Somos apaixonados um pelo outro. Somos melhores amigos.
Um ano depois, como você e sua mãe, Déa Lúcia, estão lidando com a perda?
Vivemos juntas, ela cuida de mim, e eu cuido dela. Há dias em que a gente está no rir; em outros, no chorar. A nossa fé é que nos faz levantar da cama todos os dias. Mas o entendimento e a aceitação (da morte) ainda pretendo alcançar na doutrina espírita.
E como é a convivência com seus sobrinhos?
Meus sobrinhos são lindos, engraçados… São os meus amores, e eu sou alucinada por eles. E eles, por mim.
Thales Bretas, viúvo de Paulo, contou que tenta explicar aos filhos que “papai virou uma estrelinha”. Como a família trata esse assunto com eles?
Eles são muito pequenos ainda para esse entendimento. Às vezes, os dois dizem que o “papai Paulo veio visitar”, e aí, já viu, meu olho enche de lágrimas. Mas eu disfarço pra eles não me verem chorar. Outro dia, Gael disse ao apontar para o céu: “Olha lá a luz do papai Paulo”. Romeu também já falou, quando acordou chorando: “O papai Paulo não virou estrelinha, ele estava aqui agora brincando comigo!”.
A morte de Paulo Gustavo gerou não só uma comoção, mas um sentimento de indignação, já que a vacina contra o coronavírus poderia ter chegado antes ao Brasil, como esclareceu a CPI da Covid. Você já fez alguns desabafos sobre isso nas redes sociais.
Dizer que não me revolto seria uma hipocrisia. Estou buscando na minha espiritualidade e fé esse entendimento e conforto. São muitas as dores presentes em mim. Não só pelo meu irmão, porque, assim como ele, milhares de pessoas morreram por falta de uma vacina que já existia. Mas pelas milhares de famílias afetadas por essa tragédia. Aproveito para falar da importância de se tomar a vacina. A vida social voltou aos poucos graças a ela. Tomem a vacina.
Seu irmão ajudou a consolidar importantes pautas políticas no país, especialmente no que se refere à afirmação de direitos da população LGBTQIAP+ num Brasil homofóbico. O que acha que ele diria para pessoas como o pastor José Olímpio, condenado por homofobia na última semana por ter orado pela morte de Paulo, em 2021, devido “à aversão odiosa a sua orientação sexual”, como o próprio disse à época?
Acho que ele questionaria que preceitos de Deus são esses que autorizam as pessoas a propagarem o ódio e a violência. Deus é amor ao próximo, é acolher, agregar, expandir e respeitar todas e quaisquer diferenças. Essas pessoas são doentes e se valem de uma falsa liberdade de expressão que, na verdade, é criminosa. Homofobia é crime. Racismo é crime. E que esse acontecimento sirva de exemplo para que as pessoas superem de uma vez por todas os seus preconceitos. Meu irmão falava: “amar é ação”.
O projeto de lei conhecido como Lei Paulo Gustavo — que propunha o repasse de R$ 3,8 bilhões para o enfrentamento dos efeitos da pandemia de Covid sobre o setor cultural — foi vetado pelo presidente Jair Bolsonaro.
Tenho horror desse nome (ela se refere a Jair Bolsonaro). Fico arrepiada só de ouvir o nome dessa pessoa. Me dá medo!
O que você achou desse veto?
Foi vetado, mas ainda vamos vencer essa. A minha parte eu vou fazer. As eleições estão aí para todos exercerem o poder de eleger um presidente que respeite o cargo que ocupa e a nação do país que o elegeu, o que definitivamente não é o caso do atual. Um governo que nega a ciência e a pesquisa, que não incentiva a cultura, que desdenha dos mortos pela Covid, que não respeita a diversidade religiosa e sexual, e que é a favor do armamento da população. Meu irmão e eu sempre fomos profundamente críticos e contrários a todos esses posicionamentos.
Vocês dois eram muito próximos, e Paulo Gustavo sempre deixou isso claro para o público. Recebe muitas mensagens dos fãs dele?
Recebo milhões de mensagens. Não consigo ver todas, mas me emociona muito o que as pessoas escrevem, e são sempre os mesmos temas, como: “Seu irmão me salvou”; “Seu irmão faz muita falta e estou fazendo terapia pra suportar a ausência física dele”; “Graças a seu irmão, meus pais me aceitaram”; “Graças a seu irmão e à personagem Dona Hermínia, eu aceitei o meu filho”; e por aí vai… Sempre sou abordada com muito respeito e carinho. Choro sempre.
Paulo Gustavo sempre esteve envolvido em mil trabalhos ao mesmo tempo e já pensava no próximo projeto antes de encerrar outro. Qual o maior sonho dele nos últimos anos?
(O maior sonho) ele realizou: ser pai.
Você já declarou que não deixará a obra de Paulo Gustavo, que estava gravando uma série para o Globoplay, se encerrar. E disse que há projetos inéditos por vir…
Farei tudo que eu puder em nome dele, por ele e no que ele acreditava. Infelizmente, não posso adiantar nada (desses trabalhos), pois ainda é segredo. Mas já, já todos vão saber.