28 de junho de 2024 por Davi Carlos Acácio
De olho na transição energética, o governo federal instituiu por meio do Ministério de Minas Energia (MME) o programa Energias da Amazônia, que se propõe a ser o “maior de descarbonização do mundo”. Para resolver o uso de termelétricas para atender comunidades isoladas, o Brasil deveria apostar na implementação de pequenos reatores modulares?
Liderar a transição energética no mundo: a “missão” é almejada por diversos atores do primeiro escalão do governo federal. A iniciativa já foi defendida pelo vice-presidente e ministro do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC), Geraldo Alckmin, pela ministra da Ciência, Tecnologia e Inovação, Luciana Santos, além do próprio presidente, Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
A ambição não é mera bravata, afinal o Brasil é o país com matriz energética mais renovável entre as maiores economias do mundo. Através do programa Energias da Amazônia, por exemplo, o governo quer reduzir o uso de óleo diesel na produção de energia na região.
O decreto que institui o programa fala em promover investimentos em ações e projetos nos Sistemas Isolados localizados na região da Amazônia Legal destinados a reduzir a geração de energia elétrica por meio de combustíveis fósseis e contribuir para a qualidade da energia elétrica. Nenhuma alternativa é propriamente mencionada no documento, mas o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, tem defendido a implementação de pequenos reatores modulares (SMR, na sigla em inglês).
Em abril, após evento realizado em Brasília, Silveira disse que o Brasil precisa “plantar a semente” para estruturar a cadeia da produção de energia nuclear, com foco nos pequenos reatores. De acordo com ele, não seria razoável acreditar que manter usinas a óleo diesel é uma opção viável para atender comunidades isoladas.
Atualmente, o Brasil possui 212 localidades isoladas, a maior parte concentrada na região Norte. A ilha de Fernando de Noronha, em Pernambuco, e algumas localidades de Mato Grosso completam a lista.
Na percepção do ministro, a importância da energia nuclear é visível, já que o Brasil é um dos três países do mundo que detêm uma cadeia completa de urânio, e que esse potencial deve ser resgatado na produção econômica do país.
Para o diretor técnico da Associação Brasileira para o Desenvolvimento de Atividades Nucleares (ABDAN) e coordenador do Comitê Científico e Tecnológico da Amazônia Azul Tecnologias de Defesa (Amazul), Leonam Guimarães, optar pelos SMRs pode representar uma vantagem devido à sua flexibilidade, segurança e menores custos iniciais de investimento.
“Eles são particularmente adequados para regiões isoladas e com baixa densidade populacional, como a Amazônia, onde grandes usinas nucleares seriam economicamente inviáveis e logisticamente desafiadoras”, explica o diretor.
O que são os pequenos reatores modulares e quais seriam os prós e contras de tê-los na Amazônia?
Os SMRs são reatores nucleares de pequena escala projetados para gerar eletricidade de forma mais flexível e econômica em comparação aos reatores tradicionais. Os pequenos reatores são caracterizados por sua modularidade, permitindo a fabricação em fábricas e montagem no local de operação, o que pode reduzir custos e tempos de construção.
Guimarães acredita que os SMRs podem fornecer uma fonte de energia confiável e contínua para áreas remotas da Amazônia, onde a infraestrutura de transmissão é limitada.
“Sua capacidade de operar independentemente de redes elétricas extensas os torna ideais para regiões com difícil acesso, ajudando a melhorar a qualidade de vida e promovendo o desenvolvimento socioeconômico.”
Entre as principais vantagens do modelo, o diretor técnico da ABDAN, elenca:
Redução de Emissões: SMRs não emitem gases de efeito estufa durante a operação, contribuindo para a redução do impacto ambiental das usinas térmicas movidas a combustíveis fósseis;
Segurança: projetos modernos de SMRs incluem várias camadas de segurança passiva, reduzindo o risco de acidentes nucleares;
Modularidade e Escalabilidade: a modularidade permite uma implementação gradual e escalável, ajustando a capacidade de geração conforme a demanda cresce;
Economia Local: a instalação e operação de SMRs podem gerar empregos e desenvolvimento tecnológico na região.
Por outro lado, Guimarães aponta que o projeto pode apresentar problemas que, para serem superados, necessitariam de financiamento adequado e parcerias público-privadas, além de um forte apoio governamental e um marco regulatório robusto. Como obstáculos, ele aponta:
Custo Inicial Elevado: embora menores do que os de grandes reatores nucleares, os custos iniciais de implementação de SMRs ainda são significativos;
Resíduos Nucleares: a gestão e o armazenamento de resíduos nucleares continuam sendo um desafio;
Aceitação Pública: existe resistência e preocupações da população em relação à segurança e aos impactos ambientais da energia nuclear.
Potencial de parceria Brasil x Rússia
“Brasil e a Rússia estão alinhados em muitas questões e numa perspectiva de cooperação com o acentuado engajamento bilateral dentro da esfera do BRICS”, afirma Fabio Krykhtine, professor do Departamento de Engenharia Industrial da Escola Politécnica da UFRJ e coordenador especial de Relações para a Federação da Rússia na Superintendência Geral de Relações Internacionais da UFRJ.
Neste sentido, para o professor, é inerente que podem ser estabelecidas alianças entre as duas nações no que diz respeito aos pequenos reatores modulares em regiões remotas.
Krykhtine, que acompanha o intercâmbio e a a interação entre cientistas e instituições russos e brasileiros no âmbito do setor nuclear, afirma que a Rússia tem real percepção de oportunidades que o Brasil apresenta, uma vez que o país é um parceiro estratégico, um mercado potencial e que, como todo o mundo, realizará um processo de transição energética.
“Uma parceria entre o Brasil e a Rússia no setor de energia nuclear parece não apenas viável, mas também estratégica, trazendo avanços tecnológicos e energéticos que podem beneficiar os dois países a longo prazo. A cordialidade das relações e a qualidade da interação serão importantes para alcançar esses resultados, que certamente se concretizarão em um aumento real de negócios”, explica o analista.
Guimarães reforça que o acordo entre os países é completamente viável e sugere a possibilidade de “espelhar-se no projeto da Rússia para centrais nucleares flutuantes”, o que poderia configurar numa parceria Brasil-Rússia vantajosa.
Segundo o diretor técnico da ABDAN, como a Rússia possui experiência e tecnologia avançada no desenvolvimento de FNPPs (Floating Nuclear Power Plants), podem, através de estudos, ser adaptadas para as necessidades da Amazônia.
“Essa parceria pode acelerar o desenvolvimento e implementação dos SMRs na Amazônia, beneficiando ambas as nações em termos de troca tecnológica, segurança energética e desenvolvimento econômico sustentável”, destaca Guimarães.
Vantagens de uma central nuclear flutuante em relação às centrais térmicas a óleo diesel
Apontados como o futuro da energia nuclear, os pequenos reatores modulares estão em poucos lugares funcionando no mundo, aponta o artigo “Pequenos reatores modulares (SMRs): desafios em segurança, gestão de resíduos e aceitação pública”, escrito por Francisco Raeder e Niágara Rodrigues.
Dentre as opções, a Rússia é pioneira em seu desenvolvimento, especialmente em relação aos modelos de água leve (Light Water Reactor – LWR). A empresa russa Rosatom, por exemplo, é reconhecida mundialmente no ramo.
De acordo com Guimarães, diretor técnico da (ABDAN), as centrais nucleares flutuantes apresentam várias vantagens em relação às centrais térmicas a óleo diesel, especialmente no contexto da região Amazônica.
Essas vantagens, segundo ele, abrangem aspectos econômicos, ambientais, operacionais e de sustentabilidade a longo prazo.
“A substituição de centrais térmicas a óleo diesel por centrais nucleares flutuantes na Amazônia apresenta várias vantagens, incluindo a redução de emissões de gases de efeito estufa, menor custo operacional a longo prazo, maior eficiência energética, menor impacto ambiental, estabilidade e confiabilidade no fornecimento de energia, menor dependência logística e maior sustentabilidade.”
Sobre a preocupação em relação ao meio ambiente, o diretor técnico tranquiliza preocupações, antecipando que a geração nuclear não contribui para a chuva ácida ou para a poluição dos corpos d’água, promovendo menor impacto ambiental que as termelétricas, que contribuem significativamente para a poluição do ar e da água.
Guimarães afirma, ainda, que “essa transição pode fomentar o desenvolvimento tecnológico e econômico regional, alinhando-se com os objetivos de transição energética e sustentabilidade defendidos pelo governo brasileiro”.
Em relação à melhor opção para regiões remotas, Krykhtine afirma que o SMR russo RITM-200 se destaca. Entretanto, “os modelos adequados deverão ser selecionados em função de estudos locais amparados por um planejamento estratégico que apoie os objetivos dessas instalações”, ressalta o professor sobre qual reator seria mais adequado para a região da Amazônia.