O Plenário do Senado Federal aprovou na noite desta quarta-feira (13/12) as indicações de Flávio Dino para o cargo de ministro do Supremo Tribunal Federal e de Paulo Gonet para o posto de procurador-geral da República.
Dino foi aprovado por 47 votos a 31, com duas abstenções, enquanto Gonet teve 65 votos a favor de sua indicação e 11 contra, com uma abstenção. Mais cedo, eles passaram por sabatina na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado. Lá, após quase 11 horas de questionamentos, Dino foi aprovado por 17 votos a 10, e Gonet, por 23 a 4. Não houve abstenções.
Em seu discurso inicial na sabatina, Dino afirmou que tem um “compromisso indeclinável” com a harmonia entre os poderes e que atuará no Supremo com independência.
“Gostaria de sublinhar, em primeiro lugar, que tenho um compromisso indeclinável com a harmonia entre os poderes. É nosso dever fazer com que a independência seja assegurada, mas sobretudo a harmonia. Controvérsias são normais, fazem parte da vida plural da sociedade democrática, mas elas não podem ser de qualquer maneira e nem paralisantes e inibidoras dos bom funcionamento das instituições.”
Já Paulo Gonet destacou em seu pronunciamento inicial sua carreira no Ministério Público e sua passagem pelo gabinete do ministro aposentado do Supremo Francisco Rezek.
“O fascínio pela defesa e a implementação dos direitos fundamentais, pelos interesses da sociedade civil, aqueles mais essenciais, e da ordem constitucional, que me conduziu ao Ministério Público, também me acompanhou em atividades concomitantes de ordem acadêmica”.
Sabatina
Conforme era esperado, a sabatina foi mais dura para Dino do que para Gonet. A oposição focou a maior parte de seus questionamentos na atuação de Dino como ministro da Justiça durante os atos de 8 de janeiro, quando bolsonaristas invadiram as sedes dos Três Poderes e promoveram quebra-quebra.
Parte dos senadores tentou vincular o ministro a supostas omissões para conter os manifestantes, a despeito de a complacência da Polícia Militar do Distrito Federal ter sido a responsável por viabilizar as invasões.
Dino se defendeu. Ele disse que atuou de acordo com a lei, informando o governo do DF sobre a possibilidade de manifestações violentas, e que o governo federal tomou o controle da situação assim que possível.
“Foram 12 horas bastante intensas em que, de pé, eu tomei as decisões possíveis, embasadas sempre na lei. Porque, se eu não assim agisse, estaria aqui respondendo por abuso de autoridade, talvez nem aqui estivesse. Então, tudo o que eu fiz foi de acordo com a lei, que é o parâmetro fundamental da atuação dos agentes públicos”, disse Dino.
O ministro da Justiça também foi perguntado se sua atuação política iria influenciar a tomada de decisões no Supremo. E ele respondeu que vai atuar com independência e deixará “subjetividades” em segundo plano.
“Um juiz não pode sobrepor suas convicções individuais em relação aos valores plasmados nas leis. Um juiz tem de controlar sua subjetividade, porque ele não pode ser um ditador. Assim fiz durante 12 anos (na magistratura) e assim seguirei fazendo.”
Dino falou sobre as decisões monocráticas do Supremo envolvendo leis aprovadas pelo Congresso. Ele afirmou que decisões individuais sempre existiram e vão continuar existindo. No entanto, devem ser dadas em situações excepcionais no que diz respeito ao controle de constitucionalidade das leis.
“Se uma lei é aprovada neste Parlamento de forma colegiada, o desfazimento, salvo situações excepcionalíssimas, deve ocorrer em situações claras de perecimento de direito, quando houver, por exemplo, o risco de uma guerra, o risco de alguém morrer, o risco de não haver tempo hábil para, eficazmente, impedir a lesão a um direito, em obediência a uma cláusula constitucional, que é o princípio da inafastabilidade da jurisdição.”
O escolhido pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) para o Supremo também foi perguntado mais de uma vez sobre o que pensa da regulação das redes sociais. E disse que todas as atividades empresariais têm regulações próprias.
“Se todos os âmbitos da vida humana têm regulação, onde está escrito que só a internet não pode ter? De onde emergiu essa mitificação, a não ser dos interesses empresariais, que não interessam ao debate jurídico? Temos uma lei que regula a internet. Este Congresso aprovou o Marco Civil da Internet. As plataformas não são neutras. Elas se transformaram em curadoria de conteúdo.”
Gonet, por sua vez, foi questionado sobre o Inquérito das Fake News, que está no Supremo, e como se posicionaria sobre as investigações. Em sua resposta, ele disse que ainda não pode se manifestar porque não conhece os casos a fundo.
“Tenho como princípio me dedicar ao máximo às minhas atividades, dentro das competências que me foram atribuídas para os encargos para os quais eu fui indicado. Então, com relação ao Inquérito das Fake News, o que eu posso dizer a Vossa Excelência é que não sei o que está acontecendo ali. Parte desses inquéritos, segundo me consta, está em segredo de Justiça. Quem atua nesse tipo de processo é o procurador-geral da República. Não me caberia buscar conhecer esse inquérito antes de merecer a confiança de Vossas Excelências e de ser nomeado pelo presidente da República para o cargo.”
Ele também defendeu um Ministério Público mais transparente e disse ser contra a criação de instâncias recursais para decisões da PGR em matéria penal.
“Sou um dos primeiros a defender que a transparência seja a mais ampla possível. Sobre instância recursal de decisão da PGR em matéria penal, sou contrário. O PGR é o titular da ação penal. Essa é uma decisão do constituinte. Se concebermos uma turma recursal, ele deixa de ser o titular da ação penal.”
Sobre liberdade de expressão e imprensa, Gonet disse que o Ministério Público deve atuar para preservar direitos fundamentais, mas que muitas vezes esses direitos podem ser modulados.
“O Ministério Público sempre vai procurar preservar todos os direitos fundamentais e todas as liberdades, mas nós sabemos que os direitos fundamentais muitas vezes entram em atrito com outros valores condicionais, e aí eles precisam ser ponderados para saber qual daqueles que vai ser o predominante numa determinada situação. A liberdade de expressão, portanto, não é plena e a liberdade de expressão pode e deve ser modulada de acordo com as circunstâncias.”
Biografias
Flávio Dino tem 55 anos e vai ocupar a cadeira que foi de Rosa Weber no Supremo. Natural de São Luiz, foi advogado e juiz federal por 12 anos, tendo sido eleito presidente da Associação Nacional de Juízes Federais (Ajufe) para a gestão 2000-2002.
Em 2006, Dino deixou a magistratura para assumir o cargo de deputado federal. A carreira política levou-o aos cargos de governador do Maranhão e senador da República, o qual não chegou a exercer porque foi logo escolhido por Lula para ser o ministro da Justiça e Segurança Pública.
Em entrevista à ConJur, concedida em agosto do ano passado, Dino afirmou que “se as leis são bem elaboradas, as decisões dos magistrados tendem a ser mais justas”. À época, ele também afirmou que a “lava jato” tinha objetivos políticos e defendeu um aperfeiçoamento da lei que regulamenta as colaborações premiadas.
Já Paulo Gonet será o sucessor de Augusto Aras no comando do Ministério Público Federal brasileiro. Ele é doutor em Direito, Estado e Constituição pela Universidade de Brasília (UnB) e mestre em Direitos Humanos pela University of Essex, do Reino Unido, e integrante do MP desde 1987. Estava atuando como vice-procurador-geral Eleitoral junto ao Tribunal Superior Eleitoral.
Em uma aula publicada no canal do Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa (IDP), ministrada em 2013, Gonet expôs suas posições em relação aos direitos fundamentais — pauta que tem sido suscitada no contexto da PGR em questões como liberdade de expressão e manifestação.
Em entrevista no ano passado, defendeu à ConJur uma atuação com mais cuidado e menos exploração midiática. Para Gonet, responsabilidade civil do Estado não é o mesmo que responsabilidade penal, civil e política do governante.
Em uma outra entrevista, esta para a série “Grandes Temas, Grandes Nomes do Direito”, da ConJur, Gonet refletiu sobre o desempenho da função constitucional do Ministério Público para explicar que a busca por justiça não pode extrapolar as balizas do Estado de Direito.
As indicações de Dino e Gonet aos cargos foram elogiadas por ministros e advogados, que disseram esperar excelência de ambos nas funções. Foram “sábias escolhas”, nas palavras do ministro aposentado do Supremo, Celso de Mello.
Conjur