Os polos de Marte há muito tempo fascinam os cientistas, não apenas devido às calotas polares, mas pelo potencial do que pode existir abaixo delas.
Embora atualmente não haja missões dedicadas à exploração dos polos marcianos, a frota de sondas que orbitam o Planeta Vermelho conseguiu capturar imagens e dados de radar que mostram cenas intrigantes abaixo da superfície.
Em 2018, dados de um instrumento de radar a bordo da nave Mars Express da Agência Espacial Europeia, sugeriram que pode haver lagos profundos embaixo da camada de gelo do polo sul marciano.
A busca por água em Marte está intrinsecamente ligada à busca por vida em outro planeta. A superfície de Marte já foi mais quente e úmida bilhões de anos atrás, mas agora é um deserto congelado que não permite a presença estável de corpos líquidos de água.
A água subterrânea em Marte pode ter sido um abrigo para a vida microbiana no passado, e talvez no presente, se é que ela existe. Por isso, o resultado de 2018 foi muito interessante.
Uma nova pesquisa lançada em 2021, no entanto, sugere que os sinais brilhantes embaixo da calota polar captados pelo radar não eram um sinal de água líquida. Em vez disso, esses sinais podem ser de argila.
O fato de que talvez não existam lagos embaixo da calota polar não é necessariamente uma decepção. As argilas podem conter evidências da história de Marte – a história que não conhecemos. Esse é o processo científico em andamento, à medida que os pesquisadores buscam chegar à verdade sobre nosso planeta vizinho.
Investigando o polo sul de Marte
Quando a ideia de lagos subterrâneos sob os polos foi apresentada, cientistas questionaram como a água permanecia líquida.
Um estudo publicado neste ano na revista Geophysical Research Letters envolveu a análise de milhares de ecos de radar presentes em mais de 15 anos de dados. Entre eles havia dezenas de reflexos brilhantes, mas eles foram rastreados perto da superfície, um ambiente muito frio para existir água líquida, mesmo que fosse salgada.
Aditya Khuller, um doutorando na Arizona State University e estagiário no Jet Propulsion Laboratory da NASA, em Pasadena, Califórnia, trabalhou nessa pesquisa para analisar os reflexos do radar.
“Pela primeira vez, removemos essas camadas para ver o que havia por baixo”, explicou. “Nossas descobertas mostraram que era pouco plausível que houvesse realmente água líquida em todos esses lugares, pois isso significaria que haveria lagos em todo o polo sul”.
Isaac Smith, um cientista da Universidade de York, em Toronto, questionou se o sinal poderia ser produzido por argilas. A esmectita –um tipo de argila– pode ser encontrada por todo o planeta Marte. Esses minerais também existem na Terra. Embora pareçam rochas, as esmectitas foram formadas por água líquida ao longo do tempo. Smith descreveu a argila como algo entre a rocha vulcânica e o que é usado na fabricação de cerâmica.
O pesquisador conduziu experimentos em laboratório para verificar como a esmectita pode ser detectada pelo radar, e também congelou a argila a uma temperatura semelhante à esperada no polo sul marciano: 50 graus Celsius negativos.
Os resultados obtidos batiam com os dados da sonda. Smith e seus colegas também usaram dados da sonda Mars Reconnaissance Orbiter da NASA, que inclui um instrumento mapeador de minerais, e detectaram esmectitas perto da calota polar sul. O estudo de Smith foi publicado em julho.
“Estamos sempre tentando chegar mais perto da verdade”, disse Smith. “Portanto, temos várias equipes fazendo abordagens diferentes. Quando olhamos para isso com diferentes perspectivas e respostas, é assim que chegamos mais perto”.
O constante refinamento de como os cientistas pensam e abordam a pesquisa sobre Marte está levando a mais respostas.
“É como ser um detetive espacial”, comentou Khuller. “Você está aqui na Terra e obtém essas imagens, dados de radar e dados de temperatura, e monta as peças de um quebra-cabeça. Às vezes você pode achar que uma peça se encaixa, mas depois percebe, quando tudo fica mais claro, que talvez estejamos indo na direção errada”.
O que tem numa argila?
A presença de esmectitas sugere que havia presença de água líquida em Marte, mas ela não se manteve por tempo suficiente para criar outros tipos de argilas, comentou Smith.
Isso traz mais evidências possíveis sobre a periodicidade da água em Marte.
“Isso acrescenta mais dados à ideia de que Marte era um planeta com água, mas não o tempo todo”, afirmou Smith. “Como se houvesse épocas periódicas ou episódicas onde há água fluindo”.
Mas o polo sul de Marte nem sempre foi congelado. Na verdade, ele provavelmente possuía água bilhões de anos atrás.
“Tem havido muita discussão sobre a umidade e o frio de Marte no passado”, explicou Smith. “Se há argila se formando no polo sul, isso significa que ele não foi totalmente congelado”.
As descobertas de Smith também sugerem que vale a pena analisar os resultados de estudos anteriores que produziram observações incomuns, e revisitá-los com a ideia de que a argila pode estar presente.
Mas por que devemos nos preocupar com argila em Marte? Ela pode ser a chave para desvendarmos a misteriosa história do planeta. É também uma grande parte da missão Perserverance da NASA, que está investigando o antigo leito de um lago e o delta de rio em busca de evidências de vida microbiana passada no Planeta Vermelho, se é que alguma vez ela existiu.
O rover irá coletar amostras de rochas e poeira em Marte, que serão enviadas à Terra em missões futuras, e essas amostras podem incluir esmectitas.
“De muitas maneiras, as argilas são uma de nossas melhores janelas para o que era Marte antigamente, e se era ou não habitável”, disse Briony Horgan, professora de ciência planetária na Purdue University e cientista na missão Perseverance. “Os minerais que se formam nesses ambientes, como as argilas, nos contam detalhes sobre esse ambiente”.
Minerais de argila podem revelar por quanto tempo a água esteve presente e reter material orgânico formado pela vida, ou que foi usado para formar a vida, explicou. Quanto mais os cientistas descobrem sobre os minerais em Marte, mais isso muda nossa compreensão do Planeta Vermelho.
“As argilas estão no centro do que estamos tentando fazer com o rover Perseverance e a missão Mars Sample Return, porque elas são, provavelmente, um dos minerais mais importantes que podemos trazer de volta”, afirmou Horgan.
Olhando para o futuro
Tudo o que os cientistas dos polos de Marte querem é investigar de perto sua área de interesse com mais detalhes, aterrissando uma missão em um dos polos.
“É realmente o único lugar no sistema solar em que poderíamos fazer esse tipo de estudo climático”, disse Horgan.
Na Terra, núcleos de geleiras e mantos de gelo agem como um registro da atmosfera e do clima do nosso planeta que remonta a milhões de anos. As calotas polares marcianas têm potencialmente milhões ou mesmo centenas de milhões de anos. Os núcleos dos polos marcianos seriam uma “mina de ouro”, comentou Khuller.
“As calotas polares, especialmente a do Norte, promovem toda a distribuição de água no planeta. É basicamente o pulmão do planeta”, declarou Smith. “Queremos saber como o polo norte faz isso tudo”.
Teoricamente, uma versão polar do helicóptero Ingenuity, que está voando ao lado do rover Perseverance, poderia medir as camadas em penhascos de gelo nos polos.
O sonho de Smith é que um dia haja uma missão para coletar amostras dessas milhares de camadas nos polos que registram a história de Marte, permitindo aos cientistas olhar de volta no tempo.