Por Lauro Neto
A Universidade do Porto, no norte de Portugal, suspendeu por 90 dias um professor de economia que, entre outras falas preconceituosas, disse que “as mulheres brasileiras são uma mercadoria”. A denúncia feita por 129 alunos ressalta que o docente constantemente discriminava os estudantes brasileiros
No documento, ao qual Sputnik Brasil teve acesso, o grupo de alunos da licenciatura em Ciências da Comunicação (Jornalismo, Assessoria, Multimédia), da Faculdade de Letras da Universidade do Porto (FLUP), externaliza sua preocupação com a má conduta do professor Pedro Cosme da Costa Vieira.
Segundo eles, muitas de suas falas incitam o ódio e constituem crimes de assédio e discriminação. Os estudantes listaram 12 exemplos de comentários preconceituosos do docente enquanto ministrou a disciplina Introdução à Economia nos anos letivos de 2018/2019 e 2019/2020. O caso foi noticiado pelo jornal Público e confirmado pela Sputnik Brasil.
Professor auxiliar da Faculdade de Economia do Porto (FEP), Costa Vieira é descrito pelos estudantes como figura polêmica, mesmo antes de dar aulas na FLUP. Eles recordam que o docente já havia proferido frases racistas como “A pretalhada que atravessa o Mediterrâneo devia ser abatida a tiro”, que foi “sutilmente” repetida no ano letivo 2019/2020.
Em 2015, ele já havia escrito, em seu blog “Econômico-Financeiro”, essa e outras ideias, tais como “Não tenha vergonha em reconhecer que é racista pois é algo universal, todos nós somos racistas e isso está gravado nos nossos genes” e “Se se fizesse o abate sanitário de todos os infectados com SIDA [AIDS], a doença desapareceria da face da Terra”.
Na sequência dos acontecimentos, à época, Costa Vieira sofreu uma sanção de suspensão por 30 dias, determinada pela reitoria da Universidade do Porto, “por condutas relacionadas com a mesma temática, mas em contexto diferente”, conforme se lê em despacho assinado pelo diretor da FEP, José Manuel Janeira Varejão, ao qual Sputnik Brasil teve acesso.
“O alarme instalado na Universidade do Porto, nomeadamente na Faculdade de Letras, pelo facto de as condutas relacionadas estarem, em abstrato, relacionadas com o incitamento ao ódio e discriminação […] A presença e o exercício das funções docentes do Professor Doutor Pedro Cosme da Costa Vieira não se revela [sic] conveniente ao bom funcionamento das unidades curriculares em causa e ao apuramento da verdade”, lê-se em outro trecho do despacho.
Os universitários denunciantes alegam que vários alunos deixaram de frequentar as aulas de Costa Vieira pelo ambiente tóxico e discriminatório, pautado por recorrentes comentários sexistas, machistas, racistas e xenófobos. Entre os exemplos listados, eles citam que o professor admitiu entender os homens que assediam mulheres em ônibus e no metrô.
“Ao entrar na sala e ver tantas mulheres presentes, perguntou se não tinham ‘loiça [louça] para lavar. Entre outras frases marcantes e chocantes, fica ‘Sabem o que é uma caçadeira? Aquela arma que os homens usam para matar as mulheres’ e ‘Os homens casam-se porque não querem comer sandes’ [sanduíches]”, lê-se na denúncia feita pelos estudantes.
‘Atos configuram crime vil e desumano’, diz diretor de licenciatura
O documento foi encaminhado pelos estudantes ao diretor da licenciatura em Ciências da Comunicação, Vasco Ribeiro, que, por sua vez, comunicou os fatos à direção da FLUP, conforme ele explica à Sputnik Brasil. Por sua vez, a direção da FLUP encaminhou a denúncia para a direção da FEP, onde o docente é professor de carreira.
“Em menos de 48 horas, a direção da FEP suspendeu o docente e abriu um processo de averiguações, cumprindo a lei da Função Pública. Cabe-me só lamentar os alegados atos do docente, pois configuram um crime vil e desumano que me envergonha de sobremaneira”, lamenta Vasco Ribeiro.
A denúncia relata ainda que Costa Vieira realizou vários ataques racistas e xenófobos dirigidos a negros e a ciganos. De acordo com os alunos, havia ataques constantes relativos ao continente africano, “contando histórias mal fundamentadas e sem qualquer tipo de responsabilidade social no que dizia, como por exemplo que na África só se usa roupa reciclada, de segunda mão”.
© FOTO / REPRODUÇÃOTrecho da denúncia feita por estudantes da FLUP contra o professor de economia
O documento inclui também citações diretas de frases ditas pelo professor durante as aulas, como “A minha casa estava tão desarrumada, que eu disse a um cigano que a minha casa parecia um acampamento cigano”. Um estudante, que pediu para ter sua identidade preservada, relatou à Sputnik o seu constrangimento.
“[Eu me sentia] absolutamente enojado, tal como a maioria dos alunos. Os comentários do professor mostram uma clara falta de responsabilidade social”, diz o aluno de Ciências da Comunicação.
Ele admite que os estudantes ficaram surpreendidos com a velocidade com que a Universidade do Porto reagiu ao episódio e avalia que a FEP agiu corretamente ao suspender Costa Vieira, impedindo-o de dar aulas para mais uma turma no semestre letivo que se inicia, já que a punição começou a contar a partir de 15 de fevereiro.
“Efetivamente, pensávamos que era um processo que ia demorar meses e, em três ou quatro dias, criou-se uma resposta, foi lançado o despacho, e o professor foi suspenso por 90 dias preventivamente. Agora, foi aberta inquirição que vai apurar que sanção o professor vai receber: se vai ser expulso, demitido, pagar multa ou o que seja. Foi bom a FEP suspendê-lo logo enquanto avaliava o caso”, opina.
Sputnik Brasil enviou e-mail ao professor Costa Vieira para saber sua versão sobre os episódios, mas ele não respondeu até o fechamento desta reportagem.
MP investiga ataques anônimos a estudantes estrangeiros nas redes
Não se trata de um caso pontual. Em outubro do ano passado, a Associação de Estudantes da Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto (AEFEUP) denunciou que alunos foram alvo de ataques xenófobos em páginas de redes sociais, anônimas, criadas unicamente com esse intuito. Os casos foram identificados e encaminhados ao Ministério Público, que investiga a autoria. O caso foi revelado pelo Jornal de Notícias.
Um dos perfis anônimos no Instagram, “Apanhei COVID na FEUP”, mostrou, em uma postagem, o símbolo do novo coronavírus, rodeado por macacos com uma bandeira do Brasil e a frase: “Sobre ajuntamentos de brasileiros na FEUP”. Outra conta anônima no Twitter, “Confissões FEUP”, também dirigia ataques xenófobos e racistas, em sua maioria contra brasileiras. Ambas páginas foram retiradas do ar depois de serem denunciadas.
© FOTO / REPRODUÇÃOPublicação no perfil anônimo ‘Apanhei COVID na FEUP’ no Instagram mostra brasileiros como macacos
À Sputnik Brasil, José Araújo, presidente da AEFEUP, confirmou que a xenofobia se deu de forma generalizada contra estudantes estrangeiros, mas contra brasileiros, em particular. De acordo com ele, após a denúncia e a realização de um ciclo de seminários com tópicos como xenofobia, racismo e igualdade de gênero, a situação tem melhorado neste ano.
“De fato, notou-se que, com a divulgação no Ministério Público, a comunidade ficou muito mais sensibilizada a respeito desse assunto. Foi um dos objetivos alertar as pessoas que não podem adotar esse tipo de comportamento. Fizemos uma série de palestras para conscientizar os estudantes da nossa universidade”, explica José Araújo.
Mas as denúncias de xenofobia não se restringem à Universidade do Porto. O movimento estudantil Quarentena Acadêmica revelou ter recebido, desde março de 2020, mais de 100 queixas de alunos internacionais, principalmente brasileiros, de atos xenófobos e racistas supostamente praticados por estudantes e por professores de instituições de ensino superior em Lisboa, Coimbra, Aveiro e Minho.
Em 2020, 5.477 novos estudantes estrangeiros entraram nas universidades portuguesas, somando um total de 58.092, dos quais mais de 50% são brasileiros. Mestranda em Antropologia no Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas da Universidade de Lisboa, a cearense Renata Ribeiro diz que poderia escrever um livro sobre o preconceito contra seus compatriotas.
Ela cita desde casos de professores, como um que generalizou afirmando que os brasileiros não dominam o inglês, ao exemplo de um aluno que insinuou que as estudantes brasileiras saem com os professores, que já levariam preservativos para a sala para usar com elas após as aulas.
“Ele disse que o professor chega na sala de aula: ‘eu trouxe camisinha hoje’. Eu não me calei e perguntei de que Brasil ele estava falando, de qual brasileira, pois somos 210 milhões [de pessoas]. Ele pediu desculpas”, conta à Sputnik Brasil.
Em dezembro do ano passado, uma pesquisa da Casa do Brasil de Lisboa revelou que 85% dos imigrantes entrevistados disseram já ter sofrido algum tipo de preconceito em Portugal, conforme mostrou Sputnik Brasil à época. A maioria dos inquiridos eram de nacionalidade brasileira (77,1%) e mulheres (77,8%), 23,9% afirmaram já ter vivenciado algum tipo de discriminação ou ouvido algum tipo de comentário relacionado à prostituição da brasileira.
Fonte: Sputinik Brasil