Um gato doente na Sociedade Humana de San Diego. Cães e gatos foram encontrados hospedando a variante B.1.1.7 do SARS-CoV-2. (Créditos: Adrian Drehsler/AFP via Getty Images
Traduzido por Julio Batista
Original de David Grimm para a Science
As variantes do SARS-CoV-2 que continuam surgindo não são apenas um problema humano. Dois relatórios divulgados esta semana encontraram a primeira evidência de que cães e gatos podem ser infectados pela B.1.1.7, uma variante recente do coronavírus pandêmico que se transmite mais facilmente entre as pessoas e também parece ser mais letal. As descobertas marcam a primeira vez que uma das várias variantes principais e mais preocupantes foi vista fora dos humanos.
B.1.1.7 foi identificado pela primeira vez no Reino Unido e é onde alguns dos animais de estimação infectados com essa variante foram encontrados. Os animais do Reino Unido sofreram de miocardite – uma inflamação do tecido cardíaco que, em casos graves, pode causar insuficiência cardíaca. Mas os relatórios não oferecem nenhuma prova de que a variante do SARS-CoV-2 seria a responsável, nem que seja mais transmissível ou perigosa em animais. “É uma hipótese interessante, mas não há evidência de que o vírus esteja causando esses problemas”, disse Scott Weese, veterinário da Faculdade de Veterinária de Ontario da Universidade de Guelph, especializado em doenças infecciosas emergentes.
Desde dezembro de 2020, os cientistas identificaram várias variantes preocupantes que parecem mais transmissíveis ou são capazes de contornar respostas imunológicas. B.1.351, por exemplo, foi detectada pela primeira vez na África do Sul, e uma cepa chamada P.1 foi encontrada pela primeira vez no Brasil. A variante B.1.1.7 chamou a atenção desde o início por causa de seu rápido crescimento no Reino Unido; agora é responsável por cerca de 95% de todas as novas infecções por lá.
Até agora, o impacto dessas variantes em animais de estimação não está claro. Embora já existam mais de 120 milhões de casos de COVID-19 em todo o mundo, apenas poucos animais de estimação tiveram resultado positivo para o SARS-CoV-2 original – provavelmente porque ninguém estão testando. Animais de estimação infectados parecem ter sintomas que variam de moderados a inexistentes, e especialistas em doenças infecciosas dizem que os animais de estimação provavelmente desempenham um papel pequeno, ou nenhum, na disseminação do coronavírus às pessoas.
As novas variantes podem mudar essa equação, disse Eric Leroy, virologista do Instituto Nacional de Pesquisa para o Desenvolvimento Sustentável da França, especializado em doenças zoonóticas. Em um dos novos estudos, ele e seus colegas analisaram animais de estimação admitidos na unidade de cardiologia do Centro de Referência Veterinária Ralph nos arredores de Londres. O hospital notou um aumento acentuado no número de cães e gatos com miocardite: de dezembro de 2020 a fevereiro, a incidência da doença saltou de 1,4% para 12,8%.
Isso coincidiu com um aumento da variante B.1.1.7 no Reino Unido. Portanto, a equipe analisou 11 animais de estimação: oito gatos e três cachorros. Nenhum dos animais tinha histórico anterior de doença cardíaca, mas todos apresentaram sintomas que variam de letargia e perda de apetite a respiração acelerada e desmaios. Os exames laboratoriais revelaram anormalidades cardíacas, incluindo batimentos cardíacos irregulares e líquido nos pulmões, todos os sintomas observados em casos humanos de COVID-19.
Sete dos animais fizeram testes de reação em cadeia da polimerase e três deram positivo para SARS-CoV-2 – todos com a variante B.1.1.7, relatou a equipe no servidor de pré-publicação bioRxiv. Os testes de anticorpos do SARS-CoV-2 em quatro dos outros animais detectaram evidências de que dois deles haviam sido infectados com o vírus. No início desta semana, pesquisadores da Universidade do Texas A&M (EUA) detectaram a variante B.1.1.7 em um gato e um cachorro da mesma casa no condado estadual de Brazos.
O dono dos animais do Texas foi diagnosticado com COVID-19, e os donos de cinco dos 11 animais de estimação do Reino Unido testaram positivo para SARS-CoV-2 – tudo antes de seus animais desenvolverem os sintomas. Os animais de estimação do Texas não apresentaram sintomas no momento em que foram testados, embora os dois começaram a espirrar várias semanas depois. Todos os animais dos EUA e do Reino Unido se recuperaram desde então, com exceção de um dos gatos do Reino Unido que passou por uma recaída e teve de ser sacrificado.
Leroy disse que não está claro se a B.1.1.7 é mais transmissível do que a cepa original entre humanos e animais, ou vice-versa. É “impossível dizer” que animais de estimação infectados com B.1.1.7 podem desempenhar um papel mais sério na pandemia, acrescenta ele, mas “esta hipótese tem que ser seriamente levantada”.
Shelley Rankin, microbiologista da Escola de Medicina Veterinária da Universidade da Pensilvânia (EUA), aponta que os pesquisadores mostraram apenas uma correlação entre infecção B.1.1.7 e miocardite, e que não descartaram outras causas para a doença. “Não há evidências de que animais de estimação estivessem doentes por causa do vírus”, disse ela.
Weese concorda que nem as descobertas do Texas nem do Reino Unido deveriam soar quaisquer alarmes sobre animais de estimação colocando seus donos em perigo. “O risco de serem uma fonte de infecção continua muito baixo”, disse ela. “Se meu cachorro está doente, provavelmente pegou de mim. E tenho muito mais probabilidade de infectar minha família e vizinhos do que ele.”
Ainda assim, ela diz que os cientistas e veterinários devem fazer estudos sobre o papel do SARS-CoV-2 e suas variantes, se houver algum, na miocardite entre animais de estimação. Há evidências de que o vírus pode causar a doença em pessoas, observa Weese, portanto, vale a pena explorar em animais de estimação. “Pode ser real”, disse ela, “mas não há razão para as pessoas pirarem agora.”