Com a intensificação das ondas de calor em diversas regiões do Brasil, a necessidade de adaptação das cidades a um novo cenário climático torna-se cada vez mais urgente. São Paulo, por exemplo, registrou recentemente temperaturas superiores a 35°C, segundo o Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet). Em algumas regiões do interior, os termômetros de rua chegaram a marcar até 41°C, refletindo um cenário preocupante de extremos térmicos. As áreas mais vulneráveis da cidade, especialmente os bairros mais pobres, são os que mais sofrem com essa variação, evidenciando uma desigualdade climática dentro da capital paulista.
De acordo com dados da plataforma UrbVerde, que realiza monitoramentos ambientais com a participação da Universidade de São Paulo, a diferença de temperatura entre bairros pode ser surpreendente. Em dias de pico de calor, Paraisópolis, uma das maiores comunidades de São Paulo, pode registrar até 10°C a mais do que o bairro do Morumbi, conhecido por ser uma área mais arborizada e de alto padrão. A falta de infraestrutura, somada à carência de áreas verdes, agrava a situação em comunidades de baixa renda.
Segundo o professor Pedro Luiz Côrtes, da Escola de Comunicações e Artes (ECA) e do Instituto de Energia e Ambiente (IEE) da USP, a diferença de temperatura entre os bairros não é um caso isolado. “Essa situação se repete em outros pontos da cidade. O que a gente tem verificado é que, nas áreas mais arborizadas, há uma tendência de redução da temperatura, comparativamente ao que acontece em áreas não arborizadas”, comenta.
O especialista explica que bairros como Paraisópolis sofrem com a falta de ventilação adequada, já que as casas estão muito próximas umas das outras, o que impede a circulação do ar. Além disso, a falta de arborização contribui para o aumento da sensação térmica, já que ela é responsável por impedir que os raios do sol atinjam o asfalto, preservando um pouco da umidade. Ele destaca que os problemas de urbanização fazem com que essas áreas fiquem cada vez mais quentes, com as sucessivas ondas de calor, e a primavera, que tradicionalmente deveria ser uma estação de transição, tem sido marcada por altas temperaturas, reflexo direto das mudanças climáticas.
Aquecimento global
Côrtes afirma que essas ondas de calor são intensificadas pela queima de combustíveis fósseis e o desmatamento global, que aumentam as concentrações de gás carbônico na atmosfera. “É um ambiente com o qual a cidade tem que se adaptar, porque a gente continua queimando globalmente combustível fóssil, desmatando, queimando floresta, ou seja, a tendência é que o planeta continue aquecendo. Não é que a chave está virando em relação a mudanças climáticas, ela já virou e nós estamos no início de um processo que tende a se acentuar, cada vez com maior frequência e com maior intensidade”, complementa.
Entre as soluções para amenizar os impactos das ondas de calor nas áreas urbanas, o professor aponta o replantio de árvores nativas como uma das alternativas mais viáveis. Espécies da Mata Atlântica, por exemplo, estão mais adaptadas ao clima local e oferecem maior resistência às pragas — ele adverte que, ao longo dos anos, muitas administrações utilizaram espécies exóticas, de crescimento rápido, que não resistem bem às condições climáticas de São Paulo, além de serem mais vulneráveis a ataques de pragas.
Côrtes ainda ressalta a importância de se pensar em urbanismo de forma sustentável, respeitando o espaço adequado para o crescimento das árvores. “Muitas vezes, as árvores estão sufocadas nas calçadas, não têm espaço nenhum, o cimento encosta no tronco. Com isso, a árvore vai, ao longo dos anos, perdendo vitalidade e capacidade de resistir ao ataque de pragas. E depois, soma-se a isso podas irregulares e malfeitas, que também deixam essas árvores suscetíveis ao ataque de pragas. E aí, quando tem essas tempestades, as árvores acabam caindo e viram o vilão”, finaliza.
Fonte: Jornal USP